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O Corsário e a Ciência

Textos de divulgação científica e reflexões sobre Ecologia da Saúde, à luz da teoria evolutiva ultradarwinista:

O Corsário e a Ciência

Textos de divulgação científica e reflexões sobre Ecologia da Saúde, à luz da teoria evolutiva ultradarwinista:

27.06.16

Capitães da Ciência I: a morte da interdisciplinaridade


Sérvio Pontes Ribeiro

Qual é o critério mais poderoso de qualidade científica no momento? Na verdade, ele é baseado em princípios de... quantidade, e não de qualidade: o Fator de Impacto! As revistas são avaliadas pela quantidade de vezes que seus artigos são citados em outras revistas. Assim, aquelas revistas que publicam artigos de maior interesse para a comunidade científica, recebe maior número de citações, bem como seus autores (também julgados por outro cálculo bem complicado que os associa ao tanto que eles, pessoalmente, foram citados). Parece até razoável, não fosse o fato de que o princípio capitalista por trás desta disputa feroz alimente em si fraudes e um mero princípio de não independência. Claro que as revistas que acumulam melhor reputação vão ser mais lidas, independente do real conteúdo de seus artigos científicos. Isto sempre aconteceu, mas antes gerava uma certa ambição por publicar ali, fundamentada em interesses legítimos do conhecimento. Hoje, procuramos nichos que nos aceitem e que vençam esta batalha, e isto resulta em retroalimentar quem já venceu.

            Uma outra consequência funesta deste método é que ele levou ao completo isolamento entre as áreas do conhecimento. Se o critério de qualidade passa a ser quantos o leem, e se os pesquisadores são avaliados pelas revistas onde publicam, como alguém de uma área que é lida por milhões poderia interagir com alguém que, mesmo que tenha a expertise para resolver problema de conhecimento, estaria listado em revistas muito mais fracas (quantitativamente falando)? Vamos falar de viroses transmitidas por artrópodes (Arthropod Born Diseases = arboviroses), como a dengue e a Zika. Boa parte do entendimento sobre mecanismos da doença pousam em revistas lidas por pesquisadores em medicina, um número enorme de pessoas. Entretanto, parte do problema epidêmico precisa ser entendida em áreas muito menos populares, como Ecologia de Populações! Como interagir oficialmente sem comprometer a prestigiada (=extremamente popular, não melhor ciência, não mais competente na sua execução!!) Medicina com a muito menos prestigiada Ecologia?

            A CAPES, no Brasil, criou um sistema de avaliação que poderia resolver isto: o Qualis. Uma revista Qualis A1 na área de Biodiversidade deveria indicar pesquisadores publicando no topo desta área do conhecimento. Com isto, deveriam ser equiparáveis aos imunologistas publicando em revistas Qualis A1 na Ciências Biológicas III, a mais internacionalmente severa das áreas biológicas. Assim, o melhor ecólogo poderia trabalhar a longo prazo em programas de pós-graduação típicos da CBIII, onde doenças são estudadas. No entanto, esta possibilidade vai totalmente para o lixo quando a CAPES não escalona as revistas e as equipara sendo as melhores de cada área, mas as escalona exclusivamente DENTRO das áreas. Assim, as melhores da Biodiversidade precisam ser reescalonadas na CBIII, onde ganham notas, obviamente, péssimas. Continuamos isolados e cegos, pois as verbas, tempo, orientações, tudo, depende destes parâmetros.

              Assim, a interdisciplinaridade nos programas de pós-graduação do Brasil, ou no mundo, está morta.  Devemos recriá-la fora? Fora, na mente de jovens, para que um dia ressurja em meio à uma nova humanidade, mais brilhante e razoável que a que temos hoje.

Continua....