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O Corsário e a Ciência

Textos de divulgação científica e reflexões sobre Ecologia da Saúde, à luz da teoria evolutiva ultradarwinista:

O Corsário e a Ciência

Textos de divulgação científica e reflexões sobre Ecologia da Saúde, à luz da teoria evolutiva ultradarwinista:

28.01.15

Biólogo em tempos de crise ambiental, ou, por que você está tão infeliz no trabalho?


Sérvio Pontes Ribeiro

Sérvio Pontes Ribeiro

 

Biólogo, a ilusão: o que não é ser Biólogo - Este título de certa forma remete ao livro de Richards Dawkins (God a delusion), um de nossos ilustres, mas de certa forma o lembro em crítica. Quando Dawkins resolve usar a Biologia Evolutiva para lidar com religião (assunto de outras áreas, como Filosofia e Sociologia), o faz levianamente, mas entendo que na busca por um papel do Biólogo na sociedade, ao debater questões de importância. Embora legítima a busca pela interdisciplinaridade e integração de pensamentos, a leviandade ao fazê-lo reflete a falta de um foco satisfatório na busca pessoal do escritor em questão. Será?

O fato é, alegoricamente, gosto do Prof. Richard (a quem Bill Hamilton me apresentou um dia, como se não fosse Hamilton que devesse ser procurado por Dawkins, e não o contrario!), mas tenho pena de sua sina, que é a nossa sina: todo biólogo vive tão enfiado na Biologia que dificilmente consegue lidar com outros aspectos de sua vida se não à luz da Biologia (e portanto, da Evolução, segundo Dobzhansky, e eu todo mundo, espero!!).

Isto é um fundamentalismo existencial triste, que nos leva a exercer meio tortamente a nossa profissão. Pensando nisto fui vasculhar a internet sobre o que é ser biólogo e fiquei horrorizado, das descrições mais pueris às descrições em dicionário, precisamos de um pouco de racionalidade aqui. Antes de começar, temos que entender que não temos que acordar, comer, respirar e dormir biologia, por mais que isto nos seja óbvio! Ao não fazê-lo poderemos delinear onde atuamos e com que objetivos de maneira mais clara. Este é o aspecto que quero realmente abordar: o que é ser biólogo, e porque não somos, hoje em dia, tão mais felizes com nossa profissão.

 

O ser Biólogo e sua missão – Como dito, não vou me ater às definições secas e descritivas, oficiais, acadêmicas ou insanas e delirantes, do que seja um biólogo. Eu vou dar meu ponto de vista quanto à missão que nos cabe. Há duas grandes vertentes que eventualmente nos definem: ciência e educação. Não adianta querer que sejamos uma profissão tecnocrata, com procedimentos e protocolos pré-determinados sobre o que fazer (embora já haja vários). Somos profissionais do limiar do saber, ou seja, lidamos sempre com o desconhecido, com o descobrir e com a imprevisibilidade. Neste sentido, a maioria de nós, em saúde ou meio ambiente, teremos que lidar com a metodologia científica e decisões baseadas em formulações de hipóteses e análises de risco, para atuar no mercado de trabalho. Este lado, ligado à ciência, eu chamo de vocação à Sobrevivência humana. O outro lado de nossa profissão é o ensino. Esta não será nunca uma área menor, ao contrário, é o cerne de nossa existência. Quem toma decisões práticas profissionais com base em decisões científicas no limiar do saber necessitará, obrigatoriamente, saber ensinar o que descobriu, para convencer quanto às suas decisões. Desta forma, mesmo aqueles trabalhando para a nossa sobrevivência, precisam professorar. Já aqueles professorando, só por fazê-lo, já estão lidando com a nossa sobrevivência a longo prazo! Eu chamo  de vocação ao lúdico da vida.

 

A Sobrevivência humana - O biólogo que lida com a sobrevivência é todo aquele atuando nos diversos mercados de trabalho que temos. Se na saúde, biotecnologia ou meio ambiente, a missão jurada é de garantir a preservação das espécies e buscar soluções para o bem estar do homem. Assim, gerar fontes sustentáveis de alimentos, germoplasma, criar, manejar e estudar áreas protegidas, desenvolver processos para capitalizar em serviços florestais, cuidar da saúde, são ações típicas da profissão. Além disto, temos que ser os mais cuidadosos pilares da qualidade do trabalho de nossos pares. Afinal, o serviço público, a fiscalização e análise em saúde e meio ambiente, é hoje um do grandes mercados que temos e a qualidade do biólogo que vai atuar está nas mãos do servidor dos Conselhos Regionais e dos órgãos de Meio Ambiente e Saúde. Não é sem estranheza que estando a maioria dos empregos ligados ao licenciamento ambiental que muitos vivem um estado de profunda decepção pela profissão. Dentro de regras atuais que dão poucas ou nenhuma garantia de preservação do recurso natural, não fazemos nosso papel!

Paradoxalmente, nunca tivemos tantos biólogos altamente qualificados disponíveis para o mercado como agora, mas paga-se muito pouco para ceder e aceitar decisões contrárias às nossas crenças profissionais. Ao fazer assim, o mercado não absorve sempre os melhores, ou a eles não dá as devidas condições de trabalho. Acompanhar inerte, passivo e impotente ações mitigadoras ou de compensação que pouco conseguirão fazer para neutralizar uma perda inefável de áreas naturais, por tão pouco, faz de nós profissionais de uma triste figura.

Enquanto não conseguirmos ter força técnica para impedir as perdas ecológicas irreversíveis que estão sendo impostas ao Brasil, não estamos sendo biólogos! Curioso ver este mercado crescente e olhar para o bom colega e lembrar dos amigos engenheiros e honestos que eu tinha na falida década de 80. A maioria desistiu de atuar na Engenharia porque a falta de fiscalização punha como regra das grandes construtoras o baixo custo! Desta forma, o profissional sério se negava a entregar um apartamento cuja pia de luxo poderia cair no pé do proprietário, dada a péssima qualidade do rejunte, ou coisa pior. Imagino se não tínhamos que entender o que fez a engenharia evoluir no Brasil e evoluir ainda mais do que eles para um mercado comprometido com nossos resultados (vide viadutos por aí). Afinal, quando erramos não deixamos escombros, mas não deixaremos esperança!

 

O lúdico da vida - Por outro lado, todo este processo de atuação devida e gratificante da profissão depende não só de nós reagirmos e tentarmos reverter o quadro profissional atual. Depende de uma sociedade que veja claramente que a saúde e o meio ambiente são bens inegociáveis, por valor algum! Uma sociedade desta não surge, é formada e aí entramos da maneira mais triunfante: educando. O biólogo educador é aquele mais fortemente ligado aos componentes lúdicos da nossa profissão. Sim, somos sem pieguices ou inocências, defensores do belo. Afinal, a proximidade com a vida, o entendimento da evolução da mesma, a contextualização de nós mesmos no Planeta e na sua história evolutiva, são elementos de grande enriquecimento cultural para qualquer pessoa. Bem como a pintura, música e outras artes, é sabido que o existir e o conviver com a biodiversidade é uma maneira de diminuir crises depressivas e outras doenças mentais e corpóreas. A beleza é mais do que útil, e nada mais retrógrado e perigoso que achar que não (principalmente em uma sociedade utilitarista e imediatista como a nossa). Para um biólogo, pouca coisa será mais bela que a descrição da morfologia de uma planta, uma ave, a descrição de um ciclo bioquímico, o entendimento da vastidão desconhecida do Microbiomas, das floresta tropicais, das interações antagônicas (onde vemos beleza até no parasitismo). Nada mais belo que a vida, e nada mais nobre que defendê-la.

 

Conclusão - Como disse porém, sem pieguice! O saber é útil bem como a diversidade da vida o é para a nossa sobrevivência. Assim, fechamos um círculo perfeito para a nossa atuação: educar o leigo sobre o papel da biodiversidade para a obtenção de fármacos, novas formas de alimentos, para a proteção do solo e da água, é o caminho mais possível, embora não o mais curto. Sem hesitar e com urgência, temos que segui-lo. Se estamos inconformados com a maneira como o mercado de trabalho lida com o que consideramos mais belo e precioso, que tal todos sermos meio professores, e mudarmos na base do esclarecimento intransigente, que não pode ser do jeito que tem sido?

 

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