13.07.15
A Pós-graduação brasileira não faliu: uma visão patriótica da história do conhecimento.
Sérvio Pontes Ribeiro
Nos intervalos da correção de uma proposta de doutorado que vamos submeter amanhã à UFOP, eu no meu nervosismo mental, paro de tempos em tempos, e nestas me deparei com a série de críticas pessimistas, legitimamente pessimistas, sobre os cortes recentes nas verbas da CAPES. Assim mesmo, escrevo este blog para relaxar o cérebro e continuar, e continuo só porque tenho a certeza que vale a pena. Por mais crítico que eu seja, neste momento, não consigo de fato concordar com a forma negativa com que as circunstâncias atuais estão sendo postas. Cortes em custeio de pós-graduação é atraso inaceitável? Sim, sem dúvida, e fruto de sermos ignorados. Mas quanto somos ignorados de fato.
Por outro lado, não dá para olhar para isso como falência da ciência brasileira. Meu incômodo não é com nada que escreveram de fato, mas com esta palavra: falência. Certamente não vamos procurar o significado jurídico e legal do termo, já que as práticas de pós-graduação e ciência não visam, ao menos não diretamente, a geração de lucros e não são detentoras de capitais privados. Mas há os sentidos alegóricos que foram aplicados à pós-graduação brasileira. Posso pensar em alguns citados no Wikipédia: “falência é também um termo associado ao ato de decretar o fim de algo”. Isto que me incomoda. Como o fim, se mal começamos? Claro que se mal começamos estamos à mercê de políticos que não nos entendem ou sequer nos enxergam, mesmo quando nos usam como bandeiras desenvolvimentistas, o caso específico da atual Presidência da República.
Afinal, somos mesmo invisíveis dada nossa desorganização política (http://posgraduando.com/blog/cortes-na-capes-e-minha-esperanca)? Menos que antes! De fato, nunca fomos tão visíveis! O que falta? O ensino fundamental e médio terem cientistas ali lecionando (e na grande maioria das universidades privadas também, onde ainda se faz pouca ciência), pois esta é a forma de fazer uma Nação entender o valor da ciência: com cientistas junto a juventude tenra, deixando claro que dela prescindimos!
Em 2001, eu e colegas soltamos uma nota na Nature (Vol 413, pg16) sobre o abandono e descaso do governo FHC com a ciência brasileira, dado o enorme número de doutores formados no exterior e retornando sem encontrar emprego. Uma crise, outra, diferente da atual, já que agora boa parte dos jovens doutores consegue sim empregos em ciência. Naquela crise, detectamos um número preocupante: apenas 0,02% da população brasileira tinha doutorado, e esta pequena parcela não ter emprego era ultrajante, como é hoje esta parcela empregada não ter mais verba para trabalhar! Porém, em 2010, cruzei os dados do IBGE com os da GeoCAPES para uma palestra e descobri que ainda estávamos com apenas 0,02% da população brasileira com doutorado! Dado o crescimento populacional em uma década, isto significou que tínhamos aumentado algo como 4.200 doutores no período. Muito pouco para todas as áreas do conhecimento!
Do ponto de vista de falência e negócios, porém, uma oportunidade! Olhando atentamente para estes dados da GeoCAPES, descobri também que a maioria dos municípios das regiões Norte e Centro-Oeste tem menos de um doutor empregado no serviço público em média! Temos todo um mundo para colonizar, como podemos falir? Entre 2000 e 2010 estas regiões cresceram em 20% suas populações mas a ciência não migrou com esta gente para lá! E lá, na nossa área, está nossos mais preciosos recursos estratégicos. Temos tudo pela frente, não abre-se falência na expansão! Mas também não se estabelece quem não faz o dever de casa. Temos que convencer melhor, verdade, e lutar contra uma proposta de mundo que não se interessa pela real e absoluta democratização do saber.
O Index Nature Global 2015 (vol 522, no 7556, de 18 de junho) deixa bem claro a longa senda a ser trilhada, já que em índices simplórios como contagem de artigos e peso do conhecimento gerado, a América Latina e Caribe só estão na frente da África. Há muito o que desbastar no universo político dominado pelo controle das massas ignorantes, e esta luta é dura, mas é gratificante se feita da forma certa. Quando fui aprovado em dois concursos e, após um tempo, chamado para a melhor destas universidades (melhor em termos EXCLUSIVAMENTE de índices), escolhi a mais fronteiriça das duas. Pensando nos dados globais e nós, não vejo que estamos no pior lugar do mundo para fazer ciência, estamos apenas expandindo as fronteiras do saber e encolhendo a ignorância no mundo. Não se faz isto nos grandes centros, mas nas periferias. Digo mais, tenho uma vida melhor e muito mais respeito e prestígio (aqui e no exterior) por abrir fronteiras e não ficar apenas corroborando paradigmas, o que ainda faço relativamente bem. Não vamos deixar a numerologia comparativa nos abater!
O fato é, o mesmo Nature Index que escancara as desigualdades na pesquisa no mundo, conclui que para a América Latina o Ciência Sem Fronteira e o Beca Chile são as grandes esperanças da região para ampliar a qualidade de suas publicações, via uma aproximação quantitativa com o Primeiro Mundo. De fato, os editores do Index não precisam saber das distorções existentes, mas certamente conseguem ver as virtudes de iniciativas que nunca antes houveram.
Eu e a maioria dos cientistas brasileiros vemos claramente as distorções, má emprego de verbas, escolhas políticas que não priorizam as soluções mais profundas e transformadoras. Mas não podemos deixar de ver que a Ciência, pela primeira vez, é uma palavra-chave de plano de Governo. Resta a esperança dela continuar ali e um dia o governo entender o que exatamente ela significa.