23.05.11
FLORESTAS URBANAS: QUALIDADE DE VIDA, PLANEJAMENTO AMBIENTAL E UMA VISÃO NEGLIGENCIADA DA CIDADE E DAS POLÍTICAS DE CARBONO.
Sérvio Pontes Ribeiro
Sérvio Pontes Ribeiro
Departamento de Biodiversidade, Evolução e Meio Ambiente, ICEB, Universidade Federal de Ouro Preto. Campus Morro do Cruzeiro, Ouro Preto, MG, 30400-000. Tel 35591665
Talvez outra forma de iniciar este texto fosse: “porque o novo plano diretor de Porto Alegre pede 20% de telhados verdes enquanto derrubamos as árvores de nossa cidade jardim?”; ou, “porque os ingleses ancoram suas árvores velhas enquanto derrubamos ou dilaceramos as nossas?”. Em semana que votarão o Código Florestal ou não, que nos empurrarão mais rápido para um desastre global, ou não, leio sobre a produção de mel de alta qualidade dentro da cidade de Paris. Não era mesmo tempo de revertermos o défict ambiental urbano em florestas agrícolas, plantações orgânicas, centros de sequestro (neutralização ao menos) de Carbono? Afinal, tantos recursos alí concentrados, mas, a verdade é que as capitais brasileiras continuma na contramão desta história futura, bem como a cultura urbana tropical. a velha cidade jardim, Belo Horizonte, é um dos piores exemplos disto.
Em comparação com outros locais, parece haver um rombo no planejamento urbano-ambiental belorizontino. Bem, diz a máxima ambientalista que devemos agir localmente para obter resultados globalmente, e como ecólogo, resolvi avaliar Belo Horizonte à luz de óbvios problemas ambientais de meu bairro, o Anchieta-Comiteco. Este é um bairro de zona sul, estruturado, com população antiga e consciente, talvez um modelo para cidade. Porém, não é o que os detalhes sugerem. Mais ainda, é um bairro herdeiro de velhas árvores de rua, assim, dono de várias “mini-florestas lineares”.
Um problema urbano intrinsecamente relacionado à arborização e os serviços que as árvores prestam, é a liberação de Carbono pelo tráfego. Afinal, temos mesmo um plano conjugado para minimizar a contribuição urbana para o aquecimento global? Aparentemente, este é um aspecto nunca considerado ao desenhar sentido, mãos duplas ou fluxo de veículos. Da mesma forma, o serviço ambiental prestado pelas árvores – a minimização das emissões e o seqüestro/neutralização de Carbono – não parece elencar como um critério paisagístico ou de manejo das cidades nacionais.
Para engenheiros de trânsito, priorizar/direcionar o fluxo de carros não tem nada haver com dirigir menos! Agora no Anchieta quase só há mão única, o que força todos os veículos num caminho pré-determinado e impede o cidadão de escolher seu atalho até sua casa (o que em alguns casos leva a um acréscimo de até quatro quarteirões no trajeto). Para piorar, há desvios notáveis e de difícil explicação. Por exemplo, talvez as vagas de estacionamento para o comércio explicasse porque a Prefeitura não abriu passagem na Av. Bandeirantes com Rua Odilon Braga com um sinal de dois tempos, invés de forçou os veículos bairro acima, num contorno de 600 metros de ruas de subida e descida para quem vem da avenida e quer virar à esquerda. Mas afinal, qual o impacto real de um desvio destes na poluição urbana?
De minha janela contabilizei quantos carros fazem este desvio (por trás de minha espatódea velha – árvore dita como inapropriada para a cidade - e de seus pica-paus, algumas abelhas mamangavas, e um bando de periquitos). Eu estimei 12 horas de trânsito, com quatro de pico e oito normais, com contagens de três em três minutos em cada um destes períodos. A conclusão é que o desvio do trânsito da avenida para o bairro adentro gera o fluxo extra médio de 944 veículos/dia neste trecho, antes quase desértico. Assumindo que circulamos dentro do limite de emissão de CO2 da comunidade Européia (120 grama por quilômetro), este pequeno desvio nos eleva 67,9 quilos/dia de CO2 na atmosfera. Por ano, isto resulta em 24,8 toneladas! Lacerda (2009 - http://www.oeco.com.br/convidados/64-colunistas-convidados/23034-afinal-quanto-carbono-uma-arvore-sequestra) estimou que, após 20 anos de crescimento, uma árvore da Mata Atlântica sequestra 140 Kg de Carbono. Elevando nosso tráfego para este intervalo de 20 anos, chegamos a emitir 496,16 toneladas extras de CO2 para liberar a avenida Bandeirantes do trânsito que ela, potencialmente, poderia acomodar. Isto pediria o plantio de 3.544 árvores na região só para compensar este extra! Quantas foram plantadas? Nenhuma. Para piorar, no último mês cinco árvores grandes sem nenhum sinal de doença aparente, foram removidas do Anchieta! Por mais alarmante que a pequena conta acima possa ser, e lembrando do pica-pau acima citado e outros animais silvestres do bairro, ainda é preciso ampliar nossa visão, e ver o valor destas árvores além do seqüestro de Carbono.
Há alguns anos a imprensa divulgou um plano de arborização para Belo Horizonte, com um aparente fundo ecológico, como substituir árvores exóticas por nativas. Entretanto, tal plano parece desconsiderar o momento e a lacuna que as árvores velhas deixariam se removidas. A dura verdade é que a arborização de meio século para trás era muito centrada em espécies exóticas e, portanto, um plano de substituição não poderia acontecer de forma ampla sob o risco de arruinarmos o ecossistema de dosséis urbanos de Belo Horizonte. Pior, já vivenciamos uma perda considerável deste dossel, sem nenhuma ação real de reposição. Até porque boa parte desta perda se dá pela dilaceração causada por podas agressivas, visando proteger os fios elétricos e não a saúde das árvores. Importante neste contexto é não perder de vista que o seqüestro de Carbono está baseado na retenção de longo prazo do mesmo, onde as árvores velhas passam a ser mais ou tão importantes quanto as árvores novas.
A dramática realidade contemporânea passa longe da bela propaganda do programa de arborização que a CEMIG, em compensação aos danos e conflitos com seus fios elétricos, pretende financiar em Belo Horizonte. De novo, um pequeno levantamento feito por sorteio de uma rota (com base em caminhos de mão sempre à esquerda, com um início ao acaso), mostra um drama silencioso, e do qual parte substancial da população é conivente ou cúmplice: já podemos ter perdido metade da arborização da zona sul, entre as mais antigas de Belo Horizonte. Fiz o seguinte percurso no bairro Anchieta: ruas Odilon Braga (toda), av. Francisco Deslandes, Cassiporé (toda), Bambuí, Cabo Verde (toda), Mestre Lucas (toda) e Muzambinho. O objetivo era contabilizar árvores vivas, mortas e replantadas recentes, até o total de 300 árvores adultas vivas. De 652 “pontos de árvores” (buracos vazios ou árvores), somente 46% tinham árvores adultas, sendo que os 54% restantes eram divididos em 28% de mortas e apenas 21% replantadas. Ainda pior, 95% das árvores replantadas no Anchieta (plantio de mais de uma década atrás, pois nada foi feito neste milênio) são da espécie indiana conhecida como Falsa murta (Murraya paniculata). Na verdade, não é uma árvore, mas um arvoredo que em 20 anos não chega a 3 metros de altura. Portanto, não atrapalha os fios elétricos... nem absorve poluição, nem faz sombra, nem aumenta a umidade relativa do ar ou a evapotranspiração, na escala que a cidade demandaria para termos um clima saudável e neutralizar nossas crescentes emissões de CO2.
A dramática perda de mais da metade das árvores de rua de um bairro tradicional anula toda uma propaganda que esconde a mera intenção de baratear os custos de proteção aos cabos elétricos, mais importantes que as pessoas ou as árvores, pelo visto. Esta situação não percebida é ainda mais dramática em outras regiões de Belo Horizonte. O clássico Santa Tereza, por exemplo, tem menos de 30% do potencial de arborização de rua, aparenta ter pouca arborização de quintais, e curiosamente ninguém parece achar isto ruim, embora achem o calor de meio dia insuportável! Pergunte a alguém na multidão que se abriga no oásis da praça da igreja!
Fig 1 - O que seria da Savassi sem árvores?
Mas há esperança, e ainda há o que defender. Além dos usuais gambás, árvores velhas abrigam um conjunto inesperado de fauna urbana. Exemplo? Na Av. Francisco Deslandes, de volta ao Anchieta, vive uma pequena população de ouriço-cacheiros que passa pelos fios de um tronco ao outro. Os inúmeros casos de vida silvestre poderiam ilustrar o dobro de páginas aqui já escritas, se eventualmente tivéssemos algum estudo disto. A eliminação de árvores adultas velhas sem a devida reposição prévia deixará uma lacuna de um habitat inteiro na malha urbana, fazendo a diversidade biológica recuar para fora da cidade, nos mantendo distanciados da natureza que nos provém bem-estar e algum componente lúdico na vida.
Neste contexto, mesmo as espécies exóticas, meramente por serem árvores velhas, tem um papel extremamente importante. Nominando um caso, inclusive vítima de outras calúnias: a Espatódia (Spathodea nilótica, Bignoniaceae). Antigamente acusavam a árvore de envenenar polinizadores e matar beija-flores. Entretanto, esta espécie africana da família dos ipês não apresenta risco algum para a fauna nativa. Uma casa cercada por velhas espatódias no Anchieta fornece néctar, pólen e pétalas a um inúmero conjunto de espécies de insetos, que atraem anu-pretos, anu-brancos, alma-de-gatos, entre outras aves. Com o passar dos dias, lança uma grande quantidade de sementes que alimentam um enorme bando de maritacas jataís, que trazem para dentro do Anchieta um ar rural único. E mais, por serem velhas, abrigam corujas de tempos em tempos, morcegos insetívoros e frugívoros, micos e gambás.
FAUNA ARBÓREA URBANA – COEXISTINDO COM A BIODIVERSIDADE
Além dos usuais gambás (Didelphis marsupialis), árvores velhas abrigam um conjunto inesperado de fauna urbana. Voltando ao bairro Anchieta, na Av. Francisco Deslandes vive uma pequena população de ouriço-cacheiros (Coendou prehensilis). A eliminação de árvores adultas velhas sem a devida reposição prévia deixará uma lacuna de um habitat inteiro na malha urbana, fazendo a diversidade biológica recuar para fora da cidade, nos mantendo distanciados da natureza que nos provém bem-estar e algum componente lúdico na vida.
Neste contexto, mesmo as espécies exóticas, meramente por serem árvores velhas, tem um papel extremamente importante. Nominando um caso, inclusive vítima de outras calúnias: a Espatódia (Spathodea nilótica, Bignoniaceae). Antigamente acusavam a árvore de envenenar polinizadores e matar beija-flores. Entretanto, esta espécie africana da família dos ipês não apresenta risco algum para a fauna nativa. Uma casa cercada por velhas espatódias fornece néctar, pólen e pétalas a um inúmero conjunto de espécies de insetos, que atraem anu-pretos (Crotophaga ani), anu-brancos (Guira guira), alma-de-gatos (Piaya Caiana), entre outras aves. Com o passar dos dias, lança uma grande quantidade de sementes que alimentam um enorme bando de maritacas jataís (Tetragonisca angustula). E mais, por serem velhas, abrigam corujas (Athene cunicularia) de tempos em tempos, várias espécies de morcegos insetívoros e frugívoros e micos estrelas (Callithrix pennicillata).
Uma árvore de 15 metros de altura e uma copa saudável pode lançar até 4 mm de água na atmosfera por dia. Árvores de florestas tropicais jogam por ano na atmosfera mais umidade do que a precipitação anual de Minas Gerais! Porque não chove mais? Dados do projeto de Larga Escala da Biosfera-Atmosfera da Amazônia, desenvolvido em colaboração pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, a NASA, a União Européia, e outros, mostrou claramente que 40% das chuvas no sudeste resultam da evapotranspiração amazônica. A gravidade do desflorestamento tem este alcance. Como então não teria a remoção de árvores velhas dentro de uma extensão territorial de 331 mil Km2, dominada por concreto, vidro e outros materiais impermeáveis?
Fig. 2 - Espatódeas antigas podem fornecer serviços ambientais vitais para a cidade, como habitat para fauna, sombra, seqüestro de Carbono e evapotranspiração
O bem estar humano é outro aspecto a ser levado em conta. Uma árvore de 15 metros de altura e uma copa saudável pode lançar até 4 mm de água na atmosfera por dia. Árvores de florestas tropicais jogam por ano na atmosfera mais umidade do que a precipitação anual de Minas Gerais! Porque não chove mais? A água de evapotranspiração circula, e a saúde planetária depende disto. Por exemplo, o vale do Rio Doce têm uma evapotranspiração arbórea maior que sua precipitação, devido à existência do Parque Estadual do Rio Doce. Esta água é carreada e vai chover nas vertentes do vale, na região de Ouro Preto e nas encostas sudeste da Serra do Espinhaço. Esta chuva formada no médio Rio Doce alimenta as cabeceiras das principais nascentes que alimentam de água Belo Horizonte. Dados de um grande projeto entre a NASA, União Européia, INPE, INPA e outros, mostram claramente que 40% das chuvas no sudeste resultam da evapotranspiração amazônica. A gravidade do desflorestamento tem este alcance. Como então não teria a remoção de árvores velhas dentro de uma extensão territorial de 331 mil Km2, dominada por concreto, vidro e outros materiais impermeáveis? Não terão as cidades um enorme passivo ambiental a ser pago? Não deveríamos dar garantias legais de que árvores vão poder envelhecer onde forem plantadas, ou onde foram plantadas, antes da fiação elétrica, por sinal?
Fig. 3 - Sim, temos floresta! O detalhe mostra a rua, mas o olhar vislumbra um dossel de mais de cinco metros de espessura dentro da cidade.
No entanto, é preciso educar. Hoje, quem menos quer árvores são os moradores. Motivos históricos obsoletos podem estar na a origem desta repulsa. Em terras tropicais adoecidas, é preciso cortá-las para o sol entrar e eliminar a tuberculose. Em mundos assépticos e desinfetados, sem escorpiões e aranhas, é preciso não ter folhas no chão, e em mundos ricos é preciso evitar que caiam nos carros. Entretanto, hoje a falta de árvores expõe as vulnerabilidades das casas. O excesso de poeira, calor e dessecação causa doenças pulmonares. Estaríamos melhores em casas arejadas, mas sob a proteção de um filtro de folhas que retém partículas, abaixa a temperatura, e protege do sol excessivo.
É preciso, portanto, levar em conta aspectos de ecologia sistêmica e da paisagem ao propor medidas de manejo das florestas urbanas. Igualmente, estudos destes deveriam ser levados em conta na urbanização das favelas, que ainda abrigam enormes e arborizados quintais nas encostas de todos os nossos morros, importantes do ponto de vista ecológico e social. Embora a maioria destes quintais não seja propriedade legal, escondem ervas medicinais das mais diversas, muitas de caráter religioso, que vem acompanhando as etnias e tradições do Brasil colônia e afro-descendente, que hoje mantém uma rica cultura etnobotânica, através do candomblé e práticas de medicina caseira. Não seriam então estes quintais e suas árvores patrimônio cultural urbano, carecendo do cuidado a uma vegetação hoje sem nenhum reconhecimento pelo poder público? Não seria também o reconhecimento do valor ecológico das árvores urbanas, para além do estético, que o poder público deveria considerar?
Belo Horizonte foi longe demais (no caminho errado) ao tratar sua arborização como meros canteiros ornamentais! Seria preciso o Conselho Regional de Biologia e outros órgãos competentes lutarem pelo desenvolvimento de diagnóstico prévio, EIA-RIMA, monitoramento e manejo de parques e jardins de Belo Horizonte visando a preservação de sua fauna e flora silvestre? Algo precisa ser feito para reverter este quadro.
Além do mais, se árvores caem não é apenas por serem velhas, mas por terem copas desequilibradas. As podas dilaceradoras sem dúvida diminuem a vida útil de uma árvore e, esteticamente falando, a desfigura. Podas extensivas ou desequilibradas são uma das principais causas de queda de árvores ou adoecimento! A Prefeitura de Belo Horizonte poderia ancorar suas árvores velhas, e permitir que as mesmas encolham, perdendo os galhos mais extremos, as copas mais audaciosas, alguns troncos podres que, estes sim, deveriam ser podados. As árvores velhas deveriam ser deixadas cedendo espaço gradualmente enquanto assistimos a próxima geração de árvores, no buraco vazio ao lado, crescendo para um dia lhe substituir, muito antes de sua queda.
Finalmente, urge a necessidade de uma intervenção agressiva do Estado contra o custo ambiental da fiação elétrica. Em Minas Gerais, a CEMIG solicita 50.000 ha de supressão de vegetação por ano ao IEF (igual a uma vez e meia a área do Parque Estadual do Rio Doce) para manejo de sua fiação rural e torres de transmissão. Guardamos a ilusão da energia limpa, mas não cuidamos em nada para que áreas que poderiam ser grandes corredores de fauna e flora sejam descampados anualmente devastados por falta de investimento em tecnologia de transmissão compatível com a vegetação tropical. O passivo ambiental dos fios elétricos é enorme, pois não só impacta o presente, como impede a opção de um futuro com ecossistemas urbanos sadios, biodiversos e, acima de tudo, belos!
Sugestões para Leitura
BARROS, J. F. P.; NAPOLEÃO, E. Ewé Òrìsà. Uso litúrgico e terapêutico dos vegetais das casas de Candomblé Jêje-Nagô. Rio de Janeiro, 3ª Ed., Bertrand Brasil, 2007.
BEDÊ, L. C.; WEBER, W.; RESENDE, S.; PIPER, W.; SHULTE, W. Manual para mapeamento de biótopos no Brasil., Vol. 1. Belo Horizonte, Fundação Brandt Meio Ambiente, 1997.
ZANETTE, L.; MARTINS, R. P.; RIBEIRO, S. P. Effects of Urbanization on Neotropical wasp and bee assemblages In Landscape & Urbann Panning , v.71, 105-121, 2005.
Na internet:
INPE-LBA - http://150.163.158.28/lba/site/
Sequestro de Carbono pela Mata Atlântica - http://www.oeco.com.br/convidados/64-colunistas-convidados/23034-afinal-quanto-carbono-uma-arvore-sequestra