28.09.10
Debate inaugural – Parentoni Martins & Zanette: Texto 2
Sérvio Pontes Ribeiro
Qual tipo de seleção?
Rogério Parentoni, prof-visitante, Dep. Biologia Universidade Federal do Ceará
Meu colega Lorenzo Zanette, aceitou de bom grado o desafio que lhe fiz sobre que avanço teórico ele consideraria extraordinário desde que, Dobhzansky, Haldane, Fisher, Sewall-Wrigth e Simpson arquitetaram a versão moderna do darwinismo, conhecida mais comumente como neodarwinismo.
Seus argumentos focalizam uma velha disputa sobre qual seria a unidade sobre a qual a seleção natural atuaria: genes, indivíduos, grupos de indivíduos com parentesco genético “íntimo” ou grupos de indivíduos com parentesco genético “generalizado”. O penúltimo destes níveis seria denominado por William Hamilton “kin selection” (seleção de parentesco); o último chamado “ group selection” (seleção de grupos).
Como Zanette acertadamente reconheceu acima, seleção de grupos além de ser teoricamente considerada uma força seletiva fraca, empiricamente não há exemplos convincentes de sua atuação em condições naturais. Todavia, Zanette considera que genes seriam a unidade sobre a qual a seleção natural atuaria, baseando-se na teoria de kin selection engenhosamente formulada por William Hamilton. Embora seja inquestionável a capacidade de Hamilton representada pela qualidade de seus estudos teóricos, a teoria de kin selection apresenta limitações que limitam sua capacidade explicativa ao ser confrontada com exemplos empíricos. Uma das limitações da teoria é o fato de que Hamilton considerou que a evolução da eusocialidade, um dos “mistérios” que Darwin deixou para ser desvendado por novas gerações, seria facilitada pelo sistema reprodutivo haplodiplóide de todos os himenópteros eusociais. Nesse sistema peculiar, machos são haplóides e fêmeas diplóides, introduzindo um tipo de assimetria na proporção de genes maternos e paternos compartilhados por descendentes machos e fêmeas. A primeira limitação é a de que estudos vários estudos inspirados por Hamilton, mostraram que a eusocialidade haveria evoluído independentemente em vários artrópodes e até em mamíferos cujo sistema reprodutivo é diplóide. Como se não bastasse, outra peculiaridade em himenópteros eusociais é o fato de que os indivíduos que fazem parte de uma colônia têm autonomia limitadíssima. Uma operária que não consegue retornar à colônia é incapaz de sobreviver por si mesma e machos só têm autonomia quando seguem rainhas virgens, por meio de rastros de ferormônio, para consumar o ato reprodutivo. Depois de consumado, estes machos são totalmente ignorados e até mortos pela operárias da colônia. São da mesma forma incapazes de sobreviver fora do ambiente da colônia.
Devido a essa falta de autonomia para sobreviver e reproduzir esses “apêndices coloniais” poderiam do ponto de vista da seleção serem considerados indivíduos? Creio que não. Neste caso, poderíamos considerar a colônia como um indivíduo reprodutivo, portanto a seleção estaria de fato atuando sobre um indivíduo e não sobre genes. Além disso, não se sabe estruturalmente e funcionalmente como delimitar um gene, o que é uma dificuldade adicional para considerá-lo unidade de seleção. O indivíduo sim é a unidade de seleção do qual a coesão genética depende e no qual os genes, sejam o que for, estão associados em “constelações” conforme designou Dobhzansky (1974).
A seleção natural atua sobre o indíviduo que sobrevive e reproduz caso seja portador de atributos (adaptações) por meio das quais interage e consegue lidar adequadamente com as limitações impostas pelo ambiente. Portanto, independentemente da beleza estética e simplicidade da seleção de parentesco, esta teoria não representa uma avanço teórico extraordinário para a biologia evolutiva, como Zanette e outros gostariam.
Dobhzansky, T., 1974, Chance and creativity in evolution. Pp. 307-338, IN: Ayala, F.J & Dobhzansky, T. Studies in the philosophy of Biology. The Macmillan Press, London.