06.01.14
BIODIVERSIDADE, PRODUTIVIDADE PRIMÁRIA E SUCESSÃO NATURAL DE UMA PEQUENA FLORESTA URBANA: um guia preliminar para novos ecossistemas e o melhor uso de nossos quintais.
Sérvio Pontes Ribeiro
Entre uma fala e outra, longos momentos de silêncio de frente à janela de meu quarto, numa tarde de verão ensolarada. Esta janela dá para o vale hoje coberto pela Rua Odilon Braga e suas encostas. Na encosta logo à frente duas muralhas notáveis se erguem. Grandes casas construídas na década de 80, sobre pilares gigantescos que somem com a declividade e deixam uma caverna de sombra onde um dia foi um lado de vale. Claro, assim suspensas e concretadas de cabo a rabo, nunca tiveram árvores, mas seus usuais jardins raquíticos.
Este é o momento em que a facilidade do olhar torna os intervalos intermináveis na tal conversa (e que nada tem haver com este texto) em algo que me aguçava todos os sentidos para longe dali. Então, notei brotando das casas-rochedo um som muito familiar à minha adolescência neste mesmo lugar: pardais!
Exatamente um mês antes ouvia de Jonathan Majer, na condição de ecólogo aposentado, uma palestra sobre o benefício de ir contra a maré contemporânea de estar sempre mudando de emprego em ciência, e permanecer mais de 30 anos plantado no mesmo lugar. Benefício particularmente interessante para ecólogos da sucessão natural! Pois bem, a Rua Odlion Braga, em Belo Horizonte, endereço do Clube da Ciência, virou meu experimento doméstico de sucessão natural urbana. Quando mudamos para cá em 1981, tínhamos as mesmas árvores de rua, 33 anos mais novas, e muitas outras plantas que hoje plantei não existiam. Meu pai gostava de plantas baixas, em especial legumes, e detestava folhas no chão. Conclusão, a casa era um grande ninho de pardais como as dos vizinhos distantes agora. Faz anos que não vejo um pardal por perto. Igualmente, hoje, além de dormir com grilos a noite, tenho quatro espécies de sabiás no meu jardim, alma-de-gato, anu preto, bentevi, umas quatro espécies de beija-flor, três de psitacídeos (já tive casal de papagaio na árvore da frente), além de mais cinco ou seis espécies de passeriformes que eu não sou capaz de identificar nem de raspão!
Floresta urbana é um conceito expandido: pode-se reproduzir florestas em pequenas
escalas se os elementos que a caracterizam estão presentes!
Antigamente falavam que os pardais tinham expulsado as aves nativas das cidades. Entretanto, hoje em dia está mais do que claro que eles suportam nossos desertos imundos urbanos, enquanto outras espécies mais exigentes, não. Assim, sumir o pardal é só uma questão de melhorar o ambiente florestal local! Enquanto eles somem, as demais espécies reaparecem.
NOVO ECOSSISTEMAS URBANOS: O TEMPO DA FLORESTA E AS ESPÉCIES EXÓTICAS
De fato, hoje em dia muito foi adicionado às velhas árvores da rua, além do mais importante: tempo e copa nestas senhoras idosas!! Somam-se às velhas cinco espatódeas quatro Leucenas (já mais altas que as velhas espatódeas, mas de copa menor), uma Ocotea (odorifera?? - canela), três ipês (Handroanthus chrysotricha provavelmente), uma Mabea fistulifera (canudo de pito), duas Cecropias, uma Clusia, uma das cinco buganvílias originais da casa, duas goiabeiras, uma pitangueira, um pé de acerola, uma cerejeira do Rio Grande do Sul, a ameixeira (que eu plantei aos 14 anos), e mais três indivíduos de árvores que não sei quais são. Trepadeiras já são quatro espécies, entre elas um gigantesco pé de maracujá.
Espécies exóticas, como os iniciados devem ter notado, são predominantes na minha lista. Esta é uma longa discussão em ecologia, mas há um fato preponderante à prevalência das espécies nativas: o momento ecológico dentro do novo ecossistema. Não há uma Mata Atlântica na cidade, sabemos disto. Há florestas urbanas, que são melhores existindo com o que for possível, do que não existindo!! A grande questão é que, conceitualmente, não há floresta se não houver emergentes, ou árvores muito antigas (até pelos inúmeros habitats que os troncos velhos produzem e que são inexistentes nos troncos novos). Da mesma forma, sem trepadeiras não será uma floresta. Neste sentido, a substituição das árvores velhas exóticas por nativas nos tiraria outros 30 anos de desenvolvimento do habitat! Claro, as árvores mais recentes são os ipês, canudo de pito, canela, cecrópias e outras nativas (originariamente a casa só tinha as buganvílias de nativas), mas não estariam hoje formando um dossel inferior se não houvesse o superior com as espécies que fossem. E sem esta camada superior, eu não teria a fauna que tenho hoje. Assim, mais 30 anos a frente e será esta floresta ainda melhor do que é agora!
Por trás desta aceitação está outro conceito desenvolvido recentemente na Ecologia. Em função da inevitável mudança irreversível das condições ecológicas em áreas mineradas, depois de muitos anos de monitoramento em diferentes partes do Planeta, os cientistas tendem hoje a aceitar que não são prováveis as recuperações completas de um ecossistema onde um elemento fundamental dele, como o subsolo, foi profundamente alterado. Assim, um Novo Ecossistema, inédito no planeta, mas funcional, deverá substituir o que mudamos. Em um Editorial do ano passado na Nature, um importante Editor já discutia que espécies exóticas terão que abrir novas portas para a evolução no nosso planeta profundamente modificado, e eventualmente prestar os serviços ambientais que espécies extintas faziam! Não é o melhor dos mundos, mas um mundo real!
Frutos e aves nadam juntos em qualquer floresta!
Neste sentido, este bairro como um todo passou por este processo. Estamos no Mangabeiras Sudoeste, mais modesto que o Alto dos Mangabeiras, mas ainda um ecossistema de campos montanos em solos ricos em Ferro. No começo, metade desta área era lote vago e a diversidade nativa era um elemento extraordinário para um adolescente já sabido biólogo como eu! Entretanto, estes lotes se foram, os solos não impermeabilizados foram profundamente eutrofizados pelos jardinamentos. Além disto, uma outra mudança profunda ocorreu. Estamos abaixo dos morros menores do contraforte da Serra do Curral, e o bairro subiu com base em ruas feitas de aterro até metade destas montanhas. Assim, estes trechos inseridos na paisagem no início da década de 80 foram por muitos anos cobertos por capins exóticos invasores, neste caso, verdadeiras pragas ambientais pelo domínio absoluto e massacrante que causam no terreno. No final da década de 90, um único proprietário comprou todos estes lotes para sua mansão e, digamos milagrosamente, reflorestou toda esta encosta. Hoje não há como não dizer que houve uma melhoria surpreendente na paisagem destas encostas totalmente arborizadas. Porém, também não há dúvidas que se trata de um novo ecossistema. Espécies foram extintas localmente (como o falcão quiri-quiri) mas enfim, ainda temos mais e melhores habitats que na décadas de 80-90, quando quem mandava eram os camundongos e pardais.
PRODUTIVIDADE E SOLOS URBANOS
Naquele período, quando a casa era cuidada pelo meu pai, pouco havia de árvores ou folhagem grande, e de fato, não tínhamos outras aves senão um bando de pardal que infernizavam e sujavam tudo. Eu tenho claro que a coexistência urbana com o meio ambiente não só é possível, como é absolutamente indispensável para a nossa sobrevivência! Entretanto, o homem urbano tropical não quer tal proximidade, e meu jardim é um oasis no bairro, já feito de casas desertificadas por paisagistas de mente limitada e moradores temerosos de árvores e folhas pelo chão.
Esta proximidade é de certa forma complicada? Sim, sem dúvida, se o desejo do habitante for a limpeza sanitarista e a ausência de dedicação de qualquer tipo à natureza, jardinagem ou cuidados ao ar livre de sua residência. Basicamente, a preguiça e a alienação urbana nos faz assim. Gastam-se horas na Academia e na esteira, mas consideram um desperdício de tempo varrer o jardim, ou carregar sacos de folhas caídas! Ou podar uma cerca viva! Somos inábeis, incapazes de executar pequenas tarefas físicas se não houver um personal trainer ou uma máquina para fazer meu corpo mexer. Nada contra as Academias, mas tudo contra não equilibrar “exercícios físicos” com “atividades físicas”, coisa que por sinal qualquer geriatra vai te aconselhar a adotar na sua vida desde os 30 anos de idade!
Porém vejamos. Além da trabalheira que nossa ignorância e soberba urbana não nos permitem ver como benefício, o que mais a proximidade a uma grande massa vegetacional nos proporciona? No meu caso, um conforto térmico inquestionável, menos poeira, oito espécies de frutas diferentes, condições adequadas para um jardinzinho protegido, de ervas medicinais e... muito solo! Isto mesmo! As fotos em anexo mostram grandes sacos de folhagem sendo removido de um telhado baixo. Este telhado é adjacente ao jardim e está abaixo das árvores. Pois bem, uma vez por ano recolho as folhas secas que acumulam nas canaletas e este ano a produção foi de NOVE sacos grandes. A relação folhas/árvore versus biomassa produzida por superfície está sendo calculada! Este material é triturado e usado para gerar solo orgânico, junto com restos de alimento e algum sedimento que se acumula em diferentes reservatórios da casa.
Coleta de matéria orgânica proveniente das copas das árvores sobre telhado.
Assim, com uma certa organização e ocupação racional dos espaços abertos, foi possível criar em um quintal linear (mas de menos de 200 m2) um sistema complexo com os seguintes elementos:
1 – área de armazenamento de troncos e galhos grossos;
2 – área de armazenamento de folhas e gravetos, com triturador;
3 – locais de compostagem (feitas em cestos artesanais grandes do Mercado Central, dada sua resistência e mobilidade;
4 – áreas para formação espontânea de solo por decomposição (sem passar por compostagem aeróbica – este solo é misturado na formação da compostagem e solo final).
Feito da forma certa, o jardim esconde cada elemento desta linha de produção, acomoda em meio a folhagem e jardinamento, nada cheira, nada parece lixo. Certamente, meu quintal parece mais uma mini-fazenda do que uma foto de revista de paisagismo. Mas afinal, quem quer viver num jardim aborrecidamente dimensionado! A verdade é que esta proposta não é minha! Foi plagiada de minha avó, que já vivia em grande parte assim, lá na Savassi de outras épocas, quando aquela parte de BH lembrava onde moro hoje! Já soubemos viver com a natureza, mas as crianças que cresceram assim são velhinhas hoje e não creio que nos ensinaram tudo!
Pela vida orgânica e pela volta aos quintais espontâneos!