08.12.13
Conselhos para cientistas iniciantes, vindas de um macaco oráculo.
Sérvio Pontes Ribeiro
Esta estória surge de um encontro fortuito, no cais da casa de Tábua, no Parque Estadual do Rio Doce. Eu esperava alguns alunos cansarem de nadar depois de chegarmos de barco, vindos de um campo no lago Dom Helvécio, em um ponto de passagem constante de bandos de macacos pregos. E lá vinham eles, mas desta vez, de uma maneira um pouco mais barulhenta que o usual. Mais uns instantes e ficou claro que não vinha um bando, mas sim três machos aos gritos, balançando galhos e rosnando para trás, em direção a um outro macho, maior, que se aproximava. Não sou primatologista para ter certeza do que se passava, mas claramente os três se afastaram com a mesma determinação com que reclamavam. O macho maior chegou, se instalou e logo veio seu bando, com fêmeas, filhotes e tudo que se tem direito, esperar que a presença humana trouxesse alguma recompensa, agora só deles, e não dos três fujões barulhentos.
Naquele momento, eu sabia que aquele macaco tinha me dado uma valiosa lição, daquelas que há muitos anos não via um ser humano me dispor. Esta lição não está na sua superioridade física, sua imposição e conquista agressiva do recurso, até porque nada disto aconteceu. A lição estava na indiferença! O macaco certo de si e do seu domínio sobre o território ignorou um risco potencial, e ao fazê-lo, sem gastar uma gota de estresse ou adrenalina, se impôs em benefício dos seus, simples assim.
O grande valor desta lição é para os jovens que entram cheios de energia e competência em uma Instituição de ciência, e que provavelmente já me entenderam! Nós somos um tipo bem esquisito de primatas, e custamos a aceitar uma posição de mudança que nos é imposta pela experiência e a idade. Invés de aceitarmos com alegria e serenidade a saída de cena, o acomodar com papéis de orientação, aconselhamento, apaziguamento de conflitos, queremos de maneira doentia nos mantermos viris à frente da liderança de tudo. Se nunca se contratasse alguém novo, mais atualizado quanto às metodologias, direções da ciência, rumos potenciais da pesquisa, até que esta liderança madura era aceitável. Mas o fato é que a liderança em nossa sociedade complexa só pode se dar por uma combinação saudável do novo com o velho, mas cada um no papel certo, e não na disputa dos cargos viris.
A grande lição, porém, vem do saber ignorar o maduro, supostamente quem deveríamos respeitar, quando este sujeito não se presta ao respeito e anda pelos galhos como um macaquinho louco e enfurecido diante de uma liderança real que se instala. Perdemos muito tempo e saúde dando atenção ao balançar de galhos de velhos macacos ineptos quanto à competência e ágeis no reclamar, que nos criam dificuldades após dificuldades, até criarmos o espaço de nosso bando (conhecido como laboratório ou grupo de pesquisa).
Entretanto, acho que são duas lições que se pode tirar, uma do macaco, mas outra minha. A melhor é do macaco: não se perca nestas armadilhas, siga o caminho da sua competência e se instale sem medo e sem dar atenção aos displays dos fracassados. Sem dó, nem piedade.
A minha lição é complementar, e mais frouxa: procure seu macaco velho do bem, que vai te dar suporte, amparo e orientação na sua carreira. Na verdade, eles existem sim e aos montes... custam um pouco a se aceitarem assim (na Ecologia, meus grandes macacos que me ajudaram estavam todos bem perto dos 60 anos, independente na nacionalidade ou país em que atuavam) mas são essenciais para uma carreira bem sucedida e segura.
Completo a esta lição outra palavra de cautela: por mais ‘foda” que você seja, aceite que a liderança na ciência não é ser ou querer ser macho alfa o tempo inteiro. Isto é coisa de machistas e chauvinistas, que acham que a sociedade pode se estruturar pelas forças dos instintos. Aceite que há projetos e situações em que você, mesmo jovem e no topo da sua produção científica (digo, como primeiro autor e verdadeira autoridade, no melhor sentido semântico destas palavras), fará melhor pela coletividade ajudando a identificar o melhor líder para o momento e chegando a ele com um generoso “estou à sua disposição para o que você quiser”.
Nas vezes em que fui líder, senti profunda falta deste tipo de apoio vindo dos mais competentes, e se o tivesse tido, teríamos, TODOS, idos mais longe, e fomos quando estas forças se uniram. De fato, e quase misteriosamente, quando o líder não tem este apoio ele, só, acaba indo longe, e os “não-colaboradores”, vão a lugar nenhum! Um pouco de teoria dos jogos para terminar, portanto, já que os macacos pregos são gênios nestes exercícios!