23.11.13
I- de I-nfernal: maquininhas, educação, literatura e conhecimento sociobiológico
Sérvio Pontes Ribeiro
(com perdão ao excesso de ironia – o texto é fictício, mas minha irritação não é, e a alivio com ironia e sarcasmo)
Ando irritado, e quando irritado me incomodo com pequenas coisas, e a vítima do momento são os I-pod, ped, pads do cão! Maquininhas infernais que tiram os alunos do mundo real, ou que os reconectam quando não querem enfrentar o lugar e os fatos que estão lidando no agora. A irritação é tanta que esta noite sonhei que tentava ensinar algo a uma turma de alunos em campo, mas a maioria tentava extrair as informações sobre o lugar que estávamos da internet, invés de me escutar. Fiquei tão irritado que resolvi levá-los para uma região cheia de ilhas e, como me seguiam pelo GPS e não com os olhos sobre minha pessoa, se perderam, cada aluno em uma ilha diferente. Como um bom pirata, lá os deixei!
Mas o mais legal foi a continuação do sonho. Aí eu estava aqui, no sonho eu escrevia esta crônica sobre minha raiva contra as maquininhas e... ops! Vou postar isto nas redes e farei que vários destes alunos, em suas ilhas existenciais, se conectem de volta ao mundo via sua janelinha! No final, vi que eu sou um grande responsável por tê-los largado em suas ilhas, de fato.
Sendo assim, talvez então, só posso concluir, as maquininhas não sejam tão infernais assim! A verdade é que muito mais do que minha geração, infinitamente mais, os moleques de hoje são grandes consumidores e autores de micro-literaturas digitais. Neste universo, nós professores que aqui muito visitamos (poucos entre os de minha geração, eu acho – até surpreendente um canceriano velho como eu gostar disto!), somo mais literatura que gente, mas enfim! Gastamos tempo demais pedindo os meninos que leiam e afinal eles o estão fazendo! Já é possível ver alguns raros alunos ensaiando suas linhas mais reflexivas, mais longas e críticas sobre o mundo. Há enfim um laboratório de inteligência, escrita e leitura em curso.
Ao contrapor isto à minha crítica inicial sobre estas máquinas me infernizarem, e filtrando meu preconceito de canceriano velho, vejo que porém sempre é preciso cautela, mesmo com literatura! Queridos alunos, não leiam isto enviesado! Vocês ainda precisam ler mais, muito mais e não menos! O que é preciso é saber onde! Passei tempo bastante na Europa, região de enorme cultura literária cotidiana, seja Portugal ou Inglaterra, onde sempre ler é estar! Bem, em Londres isto sempre refletiu em 90% dos passageiros de metrô enfiados em algum texto (se hoje temos posts porcos que tiram a atenção dos mais preguiçosos, os ingleses sempre tiverem seus tablóides, literatura descartável dividida em mais ou menos 10 páginas de sangue e horror com uma mulher pelada na página do meio).
Mas talvez a questão não seja a literatura crescente, lado positivo, mas os olhares agora raros. Não há como negar que o claro constrangimento que cerca o inglês médio quando encarado de frente, é em parte reflexo desta longa cultura do auto encerramento. O distanciamento do olhar e do toque social caloroso (mas não sexual) não é nenhuma novidade do mundo digital, mas uma longa história relacionada ao mundo civilizado-industrial. O europeu e o norte-americano já não se olham e não se entendem, pois pressupõem já entenderem o que há sem interagir? Só se o que já há, no acordo tácito da coexistência seja mesmo muito claro e óbvio, então é possível. Sempre tive esta impressão, principalmente quanto eu perguntava “posso sentar aqui” e a resposta sempre bizarra era “não, pode sentar” (porque a forma usual de perguntar era “há alguém sentado aqui”, e sendo sempre perguntado do mesmo jeito, não precisam nem ouvir o que você realmente falou!).
Não sei, não quero vomitar meus preconceitos, mas que há um rompimento antigo com milhares de anos de evolução olho-a-olho, há. Meu medo fica aqui: será que as crianças da idade de minhas filhas saberão avaliar honestidade? Saberão diferenciar a essência da imagem farsante de autoproteção que todos temos? Será que saberemos não construir esta fachada para nos relacionarmos, com tanta oportunidade para mentirmos nossa personalidade e realidade? Saberemos ser honestos com os amigos?
Voltando aos alunos do meu sonho, no momento só resta a eles saírem de suas ilhas por conta própria, e a nós, educadores, criarmos pontes físicas, materiais - nem que seja via literatura- para que eles possam se encontrar nas almas e não nos imaginários.