30.01.20
Pandemias são interrompidas pela Ciência, e só: temores em um mundo politicamente negacionista.
Sérvio Pontes Ribeiro
Sérvio P. Ribeiro
Cientistas investigam a natureza. Desde a descrição de fenômenos, formas, quantidades e comportamentos, até a formulação de predições sobre acontecimentos futuros, baseados no entendimento presente e passado dos fenômenos naturais. Por exemplo, faz 20 anos que os cientistas alertam para as mudanças de regimes de chuvas, com cenários mais IMPREVISÍVEIS e com eventos EXTREMOS mais FREQUENTES, caso o aquecimento global criado pelo homem não fosse revertido. Não foi, e terça feira, 29 de janeiro, de forma IMPREVISÍVEL, as partes mais ricas da cidade de Belo Horizonte foram devastadas por uma chuva que superou os desastres das tempestades de 2017 (nessa parte do mundo, essas chuvas EXTREMAS deveriam se repetir naturalmente em intervalos de mais ou menos 20 anos, estando agora mais FREQUENTES), ou das de sexta feira anterior, que ainda mais gravemente devastaram regiões carentes da cidade. Previsão = acontecimento futuro. Dentre tantas coisas, para isso serve a ciência.
O problema é que quando cientistas fazem essas previsões, não querem acertar. Querem alertar as sociedades de perigos iminentes, e causar mudanças em políticas públicas, e comportamentos sociais, de forma a evitar danos às pessoas, ao meio ambiente, às economias. No caso do aquecimento global, sempre que fenômenos climáticos extremos e imprevisíveis atingem os ricos, os fazem perceber que não há onde esconder, e mudanças contra o aquecimento começam a acontecer.
Doenças também são assim, ao menos quando a forma de transmissão impede que se possa escapar delas por ter algum dinheiro. Portanto, ao contrário das doenças negligenciadas (doença negligenciada é um nome bonito que a epidemiologia achou para doenças que acometem pessoas predominantemente vivendo em pobreza, para as quais não há investimento em pesquisa para cura ou controle, ao menos na escala devida), vírus que se espalham rapidamente com grande risco de contaminação e morte, ou que minimamente causarão rupturas no sistema econômico global, fazem o mundo se mobilizar por soluções rápidas. No entanto, enquanto a grande parte dos governos (ou seus Ministérios da Saúde) e Instituições internacionais fundamentam suas decisões no entendimento preditivo da ciência, sempre há aqueles que pensam que a culpa é do pobre que pôs o barraco no lugar errado, não comeu direito, não se higienizou adequadamente, e prefere não agir responsavelmente.
Desde o início deste Século, o mundo enfrentou três pandemias viróticas de forma bem-sucedida, mas só porque foram seguidos protocolos científicos aceitos globalmente para conter a expansão desses vírus. Resumidamente, epidemiologistas usam uma constante chamada H0, que é o número de pessoas que uma pessoa contaminada pode infectar. Rigorosamente, esse é a Taxa intrínseca de incremento populacional. Uma medida classicamente ecológica, que define com que velocidade uma população de uma certa espécie consome os recursos disponíveis, os convertendo em reprodução. Portanto, é uma medida da velocidade de multiplicação de indivíduos, no caso, de vírus. Essa é uma medida exponencial, que quer dizer que após um certo ponto, é impossível de ser freada.
Em condições naturais, o aumento no número de indivíduos de uma população encontra outra constante, a “K”, ou Capacidade Suporte, número máximo de indivíduos que um ambiente pode sustentar. O problema de certas viroses é que o H0 é muito alto, e as infecções ultrapassam tão rapidamente a capacidade suporte, que a relação entre o hospedeiro e a doença entram em colapso. Sendo nós o “recurso” para o vírus, estamos falando de índices aterradores de mortalidade e ruptura social, como aconteceu com a peste negra ou a gripe Hispaniola. Usando a epidemiologia e a ecologia, é fácil perceber que se tirarmos o “recurso” (pessoas sadias) do alcance do vírus antes dele se espalhar exponencial, e descontroladamente, interrompemos esse ciclo mortal. Ciência, predição e ação.
No entanto, em todos esses casos anteriores, as formas emergentes dos vírus não eram capazes de transmitir por aerolisação, ou seja, pelo ar e independente de partículas de saliva ou fluídos corporais. Agora, 2020, uma nova pandemia de coronavirus avança, e os padrões sugerem a possibilidade de ser capaz de infectar pessoa a pessoa, e pelo ar. Um outro detalhe preocupa em 2020: a maior parte da população humana está nas mãos de governantes autoritários ou, quando democráticos, negacionistas da ciência. O medo não é do vírus, mas de que em regiões chave do mundo, com largas rotas migratórias e comerciais, a ciência seja ignorada em função de critérios político-financeiros. Um governo responsável trata seu Ministério de Saúde como um segundo Ministério de Ciência e Tecnologia, capaz de dialogar e criar força de trabalho com as universidades e centros de pesquisa. Essa base institucional de diálogo e colaboração no controle epidemiológico é presente no Brasil há várias décadas. Já a tradição de escutar os cientistas tem variado de tempos em tempos, com consequências quase sempre graves.
Alguns dados mais recentes, atualizados dia 30 de janeiro as 7:00 no Brasil que estão sendo divulgados pela Nature diariamente e pelo site : “https://gisanddata.maps.arcgis.com/apps/opsdashboard/index.html#/bda7594740fd40299423467b48e9ecf6”:
1 - Há três casos de contaminação fora da China: Alemanha, Vietnam e Japão, detectados dia 28-01.
2 - Há 7.783 casos confirmados no mundo (dia 26 eram 2.744, dia 28 eram 4.690, 6057 no dia seguinte: uma taxa já ultrapassando 60% de incremento, desde o dia 26), em 19 países, incluindo Tailândia, Hong Kong, Taiwan, Japão, Macau, USA, Alemanha, França, Canadá etc. A expansão é a mais exponencial que do último coronavirus, dentro da China.
3 – China já disponibilizou a sequência genética do vírus, mas não amostras cultivadas em laboratório. Austrália já está, mesmo assim, crescendo o vírus em cultura de células para pesquisar vacinas.
4 - Outro risco é que aparentemente pessoas sem sintomas podem estar transmitindo. Com isso tudo sendo levado em conta, a média de pessoas infectadas por cada contaminado (H0) está entre 1,4 e 2,5, mesmos valores do SARS de 2002-03.
5 - Como sempre, esses vírus se tornam agressivos porque acabaram de invadir a espécie humana, potencialmente vindos da horrorosa sopa de morcego, e quando invadem um hospedeiro novo, são agressivos, e não darão muita chance para resposta imune rápida.
6 - No entanto, se o isolamento do vírus for eficiente, sua própria agressiva taxa de crescimento levará ele ao colapso (ele segue as chamadas dinâmicas de crescimento caóticos). Tirando as pessoas de perto, ele é facilmente extinguível. Algo mais difícil de fazer se transmitir pelo ar.
Os cuidados são os mesmos das outras pandemias: 1 - mãos sempre lavadas, 2 - distância de gente tossindo (e gente tossindo - não os outros - usando máscaras, senão vai faltar máscara para quem precisar de fato), 3 - sem dedo na boca, nariz, olhos etc 4 - sem compartilhar comidas e talheres, 4 - governo forte e transparente, agindo alinhado com a ciência, os cientistas e médicos.... sem firula ou politicagem numa hora dessas.
Figura 1 – Progressão em tempo real do coronavirus de Wuhan pela GisandData.maps.arcgis.com
28 de janeiro
15 horas depois: