Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

O Corsário e a Ciência

Textos de divulgação científica e reflexões sobre Ecologia da Saúde, à luz da teoria evolutiva ultradarwinista:

O Corsário e a Ciência

Textos de divulgação científica e reflexões sobre Ecologia da Saúde, à luz da teoria evolutiva ultradarwinista:

28.01.12

A sociobiologia da prostituição - um ensaio despretencioso


Sérvio Pontes Ribeiro

 

É um mundo à parte, que não conheço, não visito, não sei nem onde fica, e do qual nem meus poucos amigos frequentadores conversam comigo, já que deixo claro que não estou interessado. Dele, então, sou um total ignorante, confesso ignorante, mas sem preconceitos ainda assim. Devo isto provavelmente àquela gravura de Picasso, onde ele já velho, admira putas e um amigo, em um dos seus puteiros prediletos. Afinal, se Picasso gostava, se tanta gente de bem, produtiva, profundamente bem intencionada com o mundo, a humanidade e as pessoas, gostam, será que eu que estou errado?

 

 

... “às vezes o cliente te querer valia mais do que o dinheiro” Bruna Surfistinha, o filme visto há uns meses na TV, e que me inspirou este texto. Com a inesperada e devida licença poética para palavras de baixo calão (que é a única coisa que tenho para oferecer a fim de fazer frente à inigualável audiência do blog da Surfistinha!!!). Texto que por sinal, ficou parado uns meses, por ter sido considerado secundário pelo autor, eu, claro. Até assistir hoje L´Apollonide... bom, até umas mudanças de conceitos surgiram, afinal, porque uma coisa destas ainda existe?

 

 

 

A sociobiologia da prostituição: quem é a verdadeira puta?

 

 Mas do que falar afinal? Julgaria as putas todas? Os caras todos que frequentam putas? Vou condenar quem esquece o abuso que sofre para viver, quando o pagamento sobe a ponto de anestesiar a dor? Ou condenar quem deixa de sofrer na hora que passa a dominar os clientes, a ser o que, biologicamente, deveria ser: a Rainha da decisão. A dona de toda escolha sexual. Escolha? Puta escolhe? Escolhe ser a mais escolhida, a preferida por multidões. E, em meio às multidões, ainda terá, como numa das primeiras cenas do filme, seu prêmio? Seu macho de ouro, que leva o programa de graça?

 

 Assim, está claro como a biologia reprodutiva e a seleção sexual continua atuando na mulher, nesta relação financeira. E os clientes, os homens? Querem só uma trepada sem ter que dar a contrapartida da conquista, com uma puta (suponho que mais feias que a Deborah Secco) fazendo cara de “vai logo que seu tempo já acabou”? Ou querem, na marra, superar hordas de pagantes e serem os preferidos, namoradinhos da putinha? Queria explorar isto sociobiologicamente. Mas não o farei sem ser sarcástico, irônico, e profundamente crítico ao culto da opressão, ou da transferência da opressão na sociedade. Ou seja, meu alvo é o homem, e não a puta.

 

 O primeiro ponto passa pela falta de custo da conquista. O preço pago por hora libera o homem da conquista, da dança do acasalamento, da obrigação de mostrar que seus genes são os melhores. Alguns argumentariam que ter dinheiro para pagar faz dele o melhor. Seria se não fosse o preço acessível para todos dentro de uma faixa social (mudando o nível das putas para toda uma classe, e não para os ganhadores dentro de grupos, onde a seleção ocorre por faixas de atividade/co-existência). Portanto, há uma universalização do acesso à fêmea, que é um total contra-senso biológico-evolutivo, a menos que seja um benefício para a fêmea maior que os malefícios (veja as fêmeas de chimpanzés que adotam a promiscuidade como forma de diminuir o infanticídio, e vespas que “disputam” o macho dentro do canal reprodutivo, em uma competição direta de espermas, como mecanismos evolutivos da promiscuidade).

 

 Outra hipótese, mais realista, que as pessoas estejam fazendo não seja mesmo um ato de conquista sexual, mas um esforço ejaculatório de quem de fato já teria perdido. Em uma sociedade onde o limite entre seleção e não-seleção desapareceu, o que é que mantém um homem vinculado ao seu “herói-biológico” (perdão pela pieguice)? Será que ao pagar pela chance de ejacular, ele não estaria aceitando que de alguma forma estar longe da posição alfa (mesmo que todo mundo o veja lá, no caso dos grandes clientes de casas de luxo, por exemplo)?

 

 Afinal, não teria o cara que paga para “meter”, recebido antes para ser “metido”, e ali na zona ir descarregar sua dor de “garoto de programa do mundo coorporativo”? Não vou posar de falso moralista, quando qualquer consultor, empregado, analista, no fundo, quando é assediado pelo patrão ou cliente, está engolindo a mesma – com a devida desculpa pelo forte figurativo – porra, só por que o dinheiro é bom? Vamos investigar este “macho comedor”, ou melhor, este frouxo.

 

 No filme, o seu primeiro cliente chama Bruna para um jantar, quando ela já é famosa, e lhe fala que sabe que por trás daquela imagem de puta superiora ele sabia haver uma pessoa maravilhosa que ela mesmo estava matando. Após esta improdutiva cantada, ele conclui que ela teria que lembrar lá na frente “da vida que ela mesmo escolheu”. Aqui começam as comparações explícitas com o mundo externo. Eu já vi várias conversas na academia, entre pessoas que questionavam a si mesmas ou aos chefes amigos (que no serviço público cumpre mesmo um papel bem próximo da puta, e bem longe do dono – claro, se o chefe é uma pessoa de boa índole e não um mal caráter com delírios de poder) e coordenadores temporários, sobre o desgaste dos sonhos pessoais pelo doar-se para o funcionamento de uma máquina que mais toma do que provém. Aí fico pensando, até onde estamos cedendo e criando espaço para um sistema que prostitui o trabalho em detrimento da criação, que oprime a real inovação, que amarra verbas aos objetivos e metas que surgem de demandas políticas e não as sonhadas, não as vislumbradas pelo pesquisador/idealizador?

 

 Enfim, talvez o problema humano que transcende a óbvia base biológica destas relações fugazes e pagas esteja na prostituição moral que antecede a decisão de aliviar-se no puteiro. Talvez, o grande e deplorável filho da puta (com todo respeito a sua mãe, puta, pois sim, claro, as putas merecem todo o nosso respeito e admiração, mais que uma enorme parcela da humanidade que transfere seu sofrimento para frente), não seja o sujeito que vai lá pagar pelo direito se ser melhor e de mandar no seu gozo, oprimindo as escolhas da mulher. O pior sujeito pode ser um calhorda que nunca foi em zona, numa pagou putas, mas abusa de funcionários, abusa da esposa, abusa dos filhos, humilha quem pode para ser ele mesmo menos miserável. Este indivíduo estúpido, mesmo se for o maior puritano e mesmo celibatário, alimenta a infindável rede de prostituição mundial. Ao tratar pessoas como mercadoria, ou meios para metas, empurra filhas de alguém para esta vida. Mas nada disto é novo, nada disto foge ao básico biológico, nada disto traz respostas. As respostas humanitárias a esta podridão toda está em uma outra pergunta, esta feita e direcionada aos homens de bem:

 

 - Quem deixou filhos da puta como este que descrevo chegar ao poder (qualquer nível de poder)? Infelizmente, foi nossa apatia, nossa conivência, nossa própria filha-da-putagem. Haverá homens de bem? Os que se policiam, só estes.

 

 

 

11.01.12

Porque o Novo Código Florestal vai piorar e intensificar as catástrofes nas cidades da Mata Atlântica?


Sérvio Pontes Ribeiro

Sérvio P. Ribeiro

(Artigo publicado no caderno de Opinião do jornal Estado de Minas de quarta feira, dia 11/01).

 

Será coincidência que a maior concentração de municípios e situação de emergência e em estado de calamidade públicas de Minas ficam no Leste do Estado? Mais precisamente, qualquer especialista que olhe o mapa de distribuição destes municípios vê com clareza o mapa de distribuição original da Mata Atlântica mineira. Se ampliarmos o mapa da tragédia para o Rio de janeiro, entramos nas encostas íngremes da Serra do Mar, originariamente também ocupadas por florestas. Como estes fatos se relacionam? Claro, a mata Atlântica há muito não está ali, tirando seus 7 % restantes. Entretanto, a forma como ocupamos a região para urbanização e agricultura não considera o fato de que os solos evoluem com esta vegetação, e que sua estabilidade e relevo dependem intrinsecamente da sua existência. Obviamente não é reversível a ocupação da Mata Atlântica, mas é sim o seu manejo e a política de tê-la em consideração nos planos de prevenção de acidentes.

Olhando para Belo Horizonte, dou dois exemplos bons e pouco conhecidos. A zona sul de Belo Horizonte é parte do Bioma da Mata Atlântica, e tem suas principais avenidas construídas sobre cursos de água, e as encostas ocupadas com urbanização. O que se fazem com os locais onde eram as nascentes destes córregos? As encostas da Serra do curral compõem as nascentes dos antigos riachos que descem pelas ruas do bairro Anchieta, em especial, cito a Rua Odilon Braga. Esta termina no pé da serra, em um local onde anos atrás era degradada pela abertura de uma rua de loteamento construída sobre aterro, e coberta apenas por capim. Por muitos anos a rua inundava com toda chuva forte que invadiam a parte baixa das casas acima da Avenida Bandeirantes. Mais recentemente, uma ocupação particular da Serra reverteu o quadro, com uma vasta arborização destas encostas degradadas. Após esta revegetação (com objetivos privados, diversos à prevenção de acidentes, diga-se de passagem), o volume de água que desce a pela rua diminuiu consideravelmente e nenhum outro caso de inundação severa foi observado, nem neste ano! O outro exemplo é a Avenida Francisco Deslandes, a qual nunca teve registro de inundação ou transbordamento de seu sistema fluvial, a despeito da inclinação, profundidade e proximidade da serra. Esta Avenida é ainda mais baixa que a rua Odilon Braga, e encontra-se efetivamente sobre onde deveria haver uma planície de inundação, mas não transborda. Esta avenida termina nas bases do Parque Julien Rian, o qual consiste de 14.530 m2 de mata e existe desde 1978. O Parque é proteção de nascentes, e com sua cobertura arbórea amplamente distribuída sobre as encostas de drenagem desta microbacia, retém toda a água que poderia descer na forma de enxurrada.

Assim, dois exemplos na contramão dos eventos recentes. Claro que precisou força política em algum momento histórico para manter um parque de proteção de nascente como o Julien Rian em uma das áreas mais valorizadas de Belo Horizonte. Entretanto, a fortuna individual que poucos alcançariam via especulação imobiliária não aconteceu e, consequentemente, a preservação deste terreno com nascentes sob densa cobertura florestal garante a sobrevida segura de investimentos imobiliários e de vidas humanas em número muito maior ao longo desta Avenida que é o centro comercial do bairro.

Será que não teríamos muito menos problemas com as chuvas se BH foi composta de um mosaico de reservas em nascentes e em áreas de risco? Fala-se muito de ocupação humana das baixadas de inundação, mas vivemos em regiões montanhosas, onde as enxurradas se formam com as chuvas nas cabeceiras. Ocupações de vales é parte de toda a história da colonização portuguesa, mas inundações com a escala de tragédia são um pouco mais recentes. Será que estamos mesmo ampliando invasões sobre as áreas dos rios ou este processo de urbanização não estaria se somando à intensificação da degradação das cabeceiras? Basta olhar as encostas íngremes ocupadas no bairro Buritis, antes florestadas, e não mais agora. Basta olhar o Belvedere II ou, em breve, o Sion sem a Mata das Borboletas, engolida por edifícios. Basta olhar o aumento da especulação imobiliária em toda BH e contar quantos metros quadrados de área verde foram planejadas para cada metro quadrado construído. E tem quem fale em diminuir as áreas de preservação ambiental da cidade. Francamente, os ganhos privados da especulação imobiliária não pagarão os prejuízos coletivos!