19.06.11
Casos da Bahia 1 (sociobiologia e jogos de poder entre homens e mulheres à luz da Tenda dos Milagres de Jorge Amado)
Sérvio Pontes Ribeiro
Dada uma ocasião, uma demônia, ou algo parecido com uma nas letras de Jorge Amado, se enfezou com a liberdade e o poderio viril de Pedro Arcanjo. Resolveu tomá-lo e com seus poderios magísticos, o brocharia definitivamente. Se transformou em uma negra linda e insuportavelmente sedutora, capaz de destruir a alma de um homem em desejos só de vê-la passando, com o balancear de suas ancas. Esta criatura, chamada por ele de Iabá (que é também designação de figuras femininas mais dignas e belas no panteão afro-religioso) tinha como característica não amar, e não ir ao orgasmo, o que tornava a mesma uma criatura poderosa, que à beira do gozo, leva sua vítima à busca intangível do prazer daquele ser entesado de ponta a ponta de seu corpo ardente, e que em fogo transforma o sexo no dreno final da virilidade do homem por ela encantado. A destruição é moral, afetiva, sexual e pública, e o farrapo humano nunca se levanta de novo daquele encontro com sequer traços de dignidade e amor próprio.
Mas, Pedro é filho de Exu, que lhe avisa do perigo. Com ajuda de Ossain, que lhe prepara um banho certo com as ervas devidas, e de Xangô, que lhe dá orientações exatas sobre como banhar seu órgão e o que fazer com a demônia, na hora certa, Pedro resolve enfrentá-la.
O que segue é uma descrição maravilhosa da dança de sedução de um para o outro, rolando presos em prazer por diferentes paisagens e delírios, por três dias e três noites. A loucura segue e a Iabá quer, deseja gozar diante de tanta resistência, e do fato de Pedro não se quebrar em pedaços por ela:
“de repente, deu-lhe um tangolomango e em gozo ela se abriu como se rompe o céu em chuva. Irrigado o deserto, rota a aridez, vencida a maldição...”
Segue-se pequenos procedimentos que pouco importam, mas importa que vencida, que quer dizer, gozada, a Iabá virou negra Dorotéia. Oxumaré determinou a festa de amor, e Xangô lhe deu um coração.
Assim, mantendo-se distante e frio, Pedro Arcanjo deu a Dorotéia o melhor e mais precioso amor. Aquele que não se dobra aos caprichos, aquele que não cede aos encantos, e permanece livre. Pedro foi para Dorotéria o macho alfa, que conquista, seduz, apaixona, fecunda, e parte para a próxima, mas sem perder nenhuma. E Dorotéia, amada assim, nunca o teve preso e de todo seduzido, pois de cara, ele a percebeu: a mãe para ser, a fêmea em busca do melhor macho, mas que quer só para ela, mesmo que ele broche para sempre.
Fundamental notar, que este brochar para sempre, é depois de fecundá-la! Isto é fundamental de se entender: o “brochar” é na atitude para que, agora manso, permaneça em casa e cuide da prole. O brochar pode ser físico? Pode, pois ela buscará por outro garanhão para fazer nela o próximo filho, que ele, o brochado marido, cuidará como seu.
Mas imune, foi para ela mais amor, um amor eterno e congelado em paixão eterna, de quem lhe dá a liberdade de amar de volta, sem os benefícios calculistas da reprodução e do Darwinismo.
Porém, é encantadora, e perturbadora também, a revelação que se segue. Rosa de Oxalá, por sua vez, ensinou a Pedro a dor de amar, e o venceu. E é a ela, que ele se prendeu. Também, para sempre.
E aí pergunto, sem teoria nenhuma para me explicar: se quebram-se juntos, se enlouquecem em sintonia, e se perdem ao mesmo tempo, realizados e transbordantemente apaixonados e livres, mesmo que Darwinianamente (ou Freudianamente) incompatíveis, como seria? Amores eternos nascem daí? São os casais errados que insistem? São os eternos amantes, que nunca juntos, nunca separam? Como explicar tais coisas? Para tais coisas, tão perto e tão longe do lógico, simplesmente entrego a toalha!