17.11.13
Corsários da Ciência e do Saber com pés em África 1 - Mãe Beata.
Sérvio Pontes Ribeiro
Marcas de Corsário, ou marcas de Aroni? Leia abaixo o que me ensinou Mãe Beata sobre o saci e seu amiguinho cruel! Ciência e saber são os dois lados da mesma moeda - a ciência é o lado cego e arrogante, e o saber é o sábio e generoso!
Da ciência de novos mares, dos saberes de velhos cantos esquecidos.
1 – A homenagem e inclusão aqui de Mãe Beata, a primeira Babalorixá e mulher a ter seus casos e estórias de terreiro publicados (“Caroço de Dendê”, Editora Pallas: 2008), me fez lembrar bem o dia do Saci. Não por ele em si, já que até onde eu saiba não consta da mitologia específica do Candomblé, assunto de Mãe Beata. Porém, remota ao Ossain, um importante Orixá, protetor das plantas, e dono das plantas medicinais. Ao associá-lo ao Saci, já que é muitas vezes é representado com uma perna só, me corrigiram, dizendo que há um mito de seu amigo, Aroni, uma criança maldosa que queimava os olhos das pessoas na entrada das matas. Aqui, neste ponto que entra a ciência e sabedoria que se passa de forma simples e eficaz.
Pois bem, eu tenho três claras cicatrizes no braço esquerdo, certamente feitas por Aroni! Se há uma Deidade para plantas do bem, claro, haverá uma para plantas tóxicas, que sorrateiramente lhe atacam se entra distraído na floresta! O cipó “cansanção” que me queimou precisa lhe tocar, e só lhe toca se anda distraído! A lenda afirmar que ele cega os olhos das pessoas fortemente sugere reações químicas por contato! Assim, via o conhecimento sabido e difundido por oralidade, adapta-se rapidamente às tradições locais, e escravos fugidos recriaram no saci sua forma de lidar com a relação etnobotânica que os índios, quase sempre amigos, lhes emprestavam.
A Mãe Beata, nestes termos, é uma perfeita cientista, e Matriarca de todos os Corsários da Ciência! Detentora de conhecimentos importantes ancestrais e autora de suas atualizações e ajustes para o mundo moderno, ainda lida com primor as relações etnoecológicas que os homens tem que ter com período de desova, proteção marinha (filha de Yemanjá que é), colheita de caranguejo, e caça de tartarugas.
A obra primorosa é assustadoramente recente, e de fato a primeira do tipo. Antes dela, Pierre Fatumbi Verger, francês, fotógrafo e etnógrafo, descreveu as lendas africanas dos Orixás, muito lidas e conhecidas. Impressiona ainda nossa situação de colônia, pois o que um francês trás da África e di-lo ser importante, todos leremos, sabemos quem é ao menos! Dá tristeza, mas enfim.
A sabedoria de Dona Mãe Beata está nas livrarias, e supera em tudo os contos originais, pois estes foram cunhados em nossos biomas, em nossos ecossistemas urbanos, e trás à tona a mais importante realidade da cultura afro-brasileira: nela quem manda, quem sabe que dá a direção e assegura o futuro é a MULHER.