23.09.13
CORSÁRIOS FAMOSOS DA ECOLOGIA E DA ENTOMOLOGIA II
Sérvio Pontes Ribeiro
William Donald Hamilton – Bill era em muitas maneiras um corsário no seu tempo, mas hoje em dia talvez tivesse feito mesmo a sua segunda escolha, que era ser carpinteiro. No "Narrow roads of gene land" (1996, W.H. Freeman, Oxford), onde ele compila e comenta sua obra literária, chega a falar disto. De fato, a sua permanência até a morte no Departamento de Zoologia de Oxford já é um "reconhecimento do Rei" e a consagração como "capitão de longo curso", já que para lá foi como Professor Honorário, e talvez nunca tivesse tentado isto pelos caminhos normais. De fato, sua trajetória ganha vulto na bem menos gloriosa Michigan State University, e de sua boca, mesmo quando já em Oxford, se ouvia frequentemente frases de autodepreciação.
Ele se considerava um péssimo orientador, o que só seria se fosse tratado pelo aluno como se trata um orientador convencional. Ele não dava direções para o seu artigo ou estatística, nem abordava questões sobre financiamento – ele sentava com você por uma noite inteira para discutir ideias, ver fotos da sua área de campo e propor hipóteses que eram de alguma relevância na interface ecologia-evolução. No resto, você tinha mesmo que se virar. Uma marca do Bill que se vê em muitos pesquisadores brasileiros de elevada qualidade teórica e de profundo conhecimento prático foi a baixa produtividade científica! Falo quanto a números claro! Seus poucos artigos mudaram o rumo da Biologia, e para isto, bastou aqueles que fez, e nem todos foram precisos!
Certamente o perfil dele seria muito mal visto pela CAPES e pelo CNPq, como de fato foi pelo CNPq e pelo IBAMA, que o proibiram de vir coletar sangue de aves no Brasil para sua pesquisa sobre a evolução de sexo e doenças! Laudo de um super competente veterinário, claro, e nada adiantou Márcio Aires, ainda vivo, correr a Brasília e tentar reverter o erro. Ao final da história, isto traçou outra rota para sua "vessel", e ele foi estudar AIDS na África, onde contraiu a malária que o matou em 7 de março de 2000, aos 63 anos de idade apenas. Assim, podemos dizer que a inteligente e flexível burocracia científica brasileira matou, indiretamente, o maior Biólogo do Século XX.
A intenção aqui não é falar de da regra de Hamilton, aptidão abrangente, nem nada tão famoso, mas sim de suas idiossincrasias. Porém, na ótica corsária, o que fica claro é que em uma sociedade científica madura como a Inglesa, sabe-se pontuar e valorizar um cientista brilhante e "outlier" na sua rota acadêmica! Sabe-se achar pesquisadores essenciais que não estão no corredor central do "oriente centenas e publique milhares", e ainda assim ter esta gente separada do joio! Aqui, ainda tão verdes que somos, temos agências rígidas e inflexíveis, quase Weberianas na forma de avaliar criatividade (como se fosse possível), e que põe no balaio do "baixo clero" qualquer um que não pontua de acordo com a regra X. Claramente sabemos que são muitos sujeitos brilhantes e nada preocupados com estas métricas que são descartados por esta pueril postura, infelizmente.
Porém, suas maiores loucuras se via em campo, e para tal, tenho este modesto relato que fiz após sua morte, descrevendo sua maravilhosa pessoa e sua vibrante atitude ao longo de uma sofrida expedição em Mamirauá, em 1991. Temo que a qualidade de meu pdf não permitaa leitura dependendo dos seus recursos, mas vai a capa do Bulletin a Royal Entomological Society, Antenna, onde foi publicado para seus alfarrábios.
No próximo, Jonathan Majer, afinal, Bill merece um post só para ele.