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O Corsário e a Ciência

Textos de divulgação científica e reflexões sobre Ecologia da Saúde, à luz da teoria evolutiva ultradarwinista:

O Corsário e a Ciência

Textos de divulgação científica e reflexões sobre Ecologia da Saúde, à luz da teoria evolutiva ultradarwinista:

02.04.13

A dengue aumenta com a diminuição das áreas verdes – novos dados.


Sérvio Pontes Ribeiro

Sérvio P. Ribeiro

Professor de Ecologia e Evolução da UFOP

 

 

 

O processo de avanço de doenças tropicais para regiões montanhosas frias é um dos piores efeitos imediatos do aquecimento global, e aconteceu de eu estar no lugar certo na hora certa e ter tido esta aluna interessada por ecologia de vetores de doenças neste período. Assim, semana passada minha ex-aluna Michelle Pedrosa defendeu uma dissertação sobre a invasão do gênero Aedes na nossa montanhosa Ouro Preto, pelo Mestrado em Ecologia de Biomas Tropicais da UFOP.

 

Em algum momento de 2007 para cá aconteceu a primeira colonização bem sucedida de populações de Aedes aegypti e de Ae. albopictus (a outra espécie de Aedes que invadiu o Brasil, e que pouca gente conhece) em Ouro Preto. Esta invasão foi prevista em modelos matemáticos feitos anos antes com outra aluna de Biologia, Raquel Lana, na sua graduação. Os dados da atual dissertação ainda mostram menos Aedes em Ouro Preto do que Mariana, devido provavelmente tanto à recente colonização quanto às barreiras climáticas.

 

Entretanto, fora entender os processos de avanço do vetor da dengue em cidades montanas, eu não poderia me dedicar a um estudo de doença tropical se não envolvesse florestas e árvores. Daí surgiu a ideia de estudarmos o gênero comparando as áreas construídas versus áreas verdes dentro das duas cidades, portanto Mariana e Ouro Preto. Inicialmente, queríamos verificar se estas espécies já estavam ocupando estas áreas verdes, em especial Ae. albopictus, que é mais associado a estas, e ainda não é um vetor da doença no Brasil (mesmo que potencialmente venha a ser).

 

Desta abordagem, as surpresas. Primeiro uma má: de fato, as duas espécies invadiram as áreas verdes estudadas. O fato de que podem viver e reproduzir dentro de áreas verdes requer então, em primeiro lugar, presença do Poder Público, mantendo uma devida urbanização das áreas verdes. Ou seja, parques assim como ruas, praças e jardins DEVEM ser mantidos limpos e seguros para a população!

 

Esta é a segunda má notícia, que porém nunca foi surpresa. No Brasil, temos medo das áreas verdes por causa da faltade Poder Público nas mesmas. Sem vigilância e limpeza, qualquer Parque vira depósito de lixo e bandidos. Em um país jogado às traças como o Brasil, o inconsciente coletivo sempre foi nesta direção. Temos medo das árvores por esconderem bandidos e dos terrenos abertos por atraírem doenças. Entretanto, não são as árvores ou o solo que trazem uma coisa ou outra, é a falta de zelo daqueles que recebem nossos impostos.

 

Aí vêm as boas surpresas, que em muito superam as más. Com ou sem Poder Público, a densidade de Aedes DENTRO DAS ÁREAS VERDES foi substancialmente MENOR do que nas áreas intensamente construídas. Assim, se comparamos uma mesma extensão urbana sem arborização, praças ou parques com uma área equivalente altamente arborizada, a densidade média de Aedes é maior na primeira. Ainda pior, a razão Ae. aegypti X Ae. albopictus será também maior, assim, aumentando a probabilidade de inseminação da doença e contágios em áreas altamente pavimentadas. Isto se dá pelo fato do Ae. aegypti ter se adaptado para reproduzir dentro das casas, em pequenos reservatórios relacionados às casas e apartamentos, e se tornado altamente independente de áreas abertas para sua sobrevivência.

 

Assim, a presença de intensa arborização claramente diminui os riscos de contágio e contaminação da dengue. Acreditamos que este efeito positivo só não é maior porque falta aos locais estudados o devido cuidado do Poder Público e da própria população. As campanhas corretíssimas de controle do Aedes refletem exatamente esta cultura nacional de descaso e abandono com as nossas áreas livres de construção. Sem este descaso, os mosquitos só teriam águas residenciais para reproduzir e talvez não estivéssemos em estado de epidemia.

 

Soma-se a isto outro efeito inusitado, previsto na literatura ecológica e epidemiológica: o famoso efeito de diluição. Alvo de simulações computacionais, e já estudado em campo para outras doenças, este efeito relaciona negativamente o risco de contágio humano com a diversidade biológica de áreas populosas. Se há um vetor que interage preferencialmente com o ser humano, mas que diante da disponibilidade de outros hospedeiros possam usá-los, o risco de contágio cai porque o número de picadas em humanos também cai. Quando a doença transmite de outros animais para os humanos, o problema pode voltar, mas quando a doença não se instá-la em outros animais, o risco dilui. Assim, o fato de parte da população de Aedes ser “drenada” para dentro de áreas verdes e se alimentarem por lá, onde sua densidade também é menor, DIMINUI O RISCO DE CONTÁGIO!

 

Basta olhar para o padrão de urbanização das cidades nas zonas de alto risco em Minas Gerais e podemos entender o papel da (falta de) arborização neste momento triste. Uberlândia, Governador Valadares e Belo Horizonte se tornaram cidades que em grande escala desprezam o cuidado com as áreas verdes, parques e arborização. Isto resulta em intenso adensamento populacional e aumento de risco de contágio. Basta obervar que os padrões de disseminação da doença em Belo Horizonte, em gráfico disponibilizado pela Prefeitura em 2002:

 

 

Fonte: Secretaria Municipal de Saúde, Gerência de Epidemiologia e Informação, (www.pbh.gov.br/smsa/biblioteca/)

 

Se passear pelo “google maps” sobre as regiões, verá claramente o aumento do adensamento urbano, diminuição da arborização e da presença de parques e jardins nas regiões Oeste, Noroeste e Venda Nova, ou a proximidade com áreas de baixo cuidado sanitário (favelas e ocupações), em contraste com a região que detém (ainda? Até quando?) a maior, mais antiga e mais ampla arborização de Belo horizonte: a Centro- sul, com seus parques, largas alamedas arborizadas, parques e ÁRVORES VELHAS. Observe que o número de casos nesta região foi menos da metade do restante da cidade. Sendo a dengue uma doença democrática e sem escolha de classe social, a explicação só pode estar na qualidade ambiental desta região comparada com as demais. Em concordância com os dados recentes, então, há fortes indícios de que as velhas e negligenciadas árvores da antiga BH podem estar sim nos ajudando contra esta epidemia!

 

A primeira página do jornal Estado de Minas de uns dias atrás mostrou um belo mosaico (para entomologistas) do Aedes com a mosca branca, que está atacando os Ficus históricos de BH. Tmei a liberdade de copiar esta bela página aqui, pois talvez a edição do jornal não tivesse ideia de quão certo eles estavam ao sugerir esta relação entre estas pragas!

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