27.05.12
Elefantes furiosos e o Código Florestal
Sérvio Pontes Ribeiro
Nada como uma manhã de domingo sozinho na frente da TV. Deparamos-nos com documentários inimagináveis. Hoje aprendi algo fascinante sobre África, que pode dizer algo sobre o futuro de toda e qualquer tentativa de gerarmos uma relação proximal e sustentável com ambientes naturais: o velho e bom conflito com outras espécies.
De certa forma, uma luta antiga minha com os homens vem de seu conflito com outros gigantes, as árvores. Nos trópicos coloniais como aqui, homens urbanos temem as árvores por três razões básicas: 1- atraem animais indesejados (que faz as pessoas ignorarem que atraem MAIS animais desejáveis, como pássaros e borboletas, predadores de pragas e elementos lúdicos importantes para o nosso bem estar); 2 – fazem sombra (um resquício dos velhos e bons tempos da tuberculose, onde o sol curava tudo); 3 – sujam e destroem patrimônio (fruto de dois fatos distintos – a cultura de que o civilizado é cimentado e varrido – no Brasil até pomares de terra são varridos, deixando a terra exposta por diversas razões, mas também para diminuir a proximidade com fauna inesperada e nociva – e a falta de manejo adequado, pois se são indesejadas, não são cuidadas, podadas, disciplinadas, e aí caem mesmo). Mas volto daqui a pouco às árvores e sua relação com os elefantes nervosos, e nós.
Algo começou a incomodar os quenianos nos últimos anos. Elefantes, calmos e pacíficos até as décadas de 70 e 80, hoje são furiosos e atacam com enorme frequência os humanos, causando várias mortes por ano. Mais do que o aumento de contato, devido ao aumento de cerca de 20 milhões de pessoas nas últimas duas décadas, há algo a mais neste conflito. Estamos falando de uma espécie como nós, em vários aspectos. Vivem em grupos coesos pela vida inteira, e vão aos cemitérios sofrerem recorrentemente a perda dos entes queridos. Não é mito, mas fato, que elefantes sofrem as mortes dos membros do bando, e nunca esquecem. Podem de fato ter uma memória melhor do que a nossa, e mais vívida em detalhes. Assim, os furiosos elefantes de hoje, protegidos por lei e parte de uma notável tentativa humana de desenvolver agricultura (lembrando, estamos em África, e esta agricultura é em grande parte para combater fome e pobreza) em contato íntimo com o empreendimento conservacionista, são adultos de uma infância terrível. A hipótese mais plausível desta mudança de comportamento é que estes elefantes furiosos são órfãos traumatizados das gigantescas caçadas por marfim dos anos 70 e 80, ampliadas pelo progresso tecnológico, a mentalidade utilitarista da natureza, e o preço do marfim, claro. Hoje protegidos, mas não se esquecem e, segundo as antigas tradições masais, com quem conflitam em pequeníssima escala há centenas de anos, querem vingança.
Uma espécie que quer vingança contra os humanos é uma espécie que não sabe com o que está se metendo! E os conflitos, só aumentam. Enfim, é aqui que começa nossa estória. Como a conservação dos elefantes têm um apelo tão grandioso, já está no lugar os mecanismos para protegê-los efetivamente. Hoje, as mais diversas ações para minimizar os conflitos com os bandos delinquentes adultos, e evitar uma segunda geração de órfãos traumatizados são desenvolvidas, de forma relativamente efetiva.
A preservação de florestas tropicais tem hoje um apelo até maior do que a proteção dos elefantes. As florestas tropicais, por causa do aquecimento global e o atual entendimento de sua importância para o clima de todo o planeta, se tornou os nossos elefantes! Com o agravante que se pode “arredar” elefantes e usar parte da savana para agricultura de subsistência, mas ainda não aprendemos a plantar muita coisa dentro da floresta, mas sim no lugar dela. E a população de 7 bilhões de pessoas já é passada, exponencialmente remoto para quem entende de crescimento populacional logístico! Assim, lidar com a agricultura o mais rápido possível é uma melhor estratégia do que bani-la de toda área florestal.
Em especial, a solução de minimizar os custos ambientais para agricultores menores abre a oportunidade de trabalhar seu desenvolvimento sustentável não por força de multas e cadeias (inevitável se não pode pagar a multa), portanto, ódio, mas pelo trabalho técnico. Se se demonstra ganhos em produtividade e maior resiliência à seca com uma maior cobertura florestal, porque não estimular cultivos compatíveis com sombreamento e, portanto, mais favorecidos pela proximidade da floresta? O conflito total com a agricultura, como hoje se arma entre o Greenpeace e WWF e a bancada ruralista, pode resultar em contraprodução conservacionista. Seria melhor manter a severidade com os grandes, com imposições tributárias pesadas para os contraventores (ou prêmios tributários para os que fazem mais que o que lhes é pedido) para além das multas. Porém, balanceado com condições claras para desenvolvimento agrícola com convivência e respeito às áreas de proteção ambiental obrigatórias.
Afinal, faça uma pessoa odiar gatos e a obrigue a criar alguns no seu apartamento. Se você gosta de gato, terá uma ideia clara do tanto que este gato vai sofrer a vida toda! Não se pode esquecer que lei sem apoio popular no Brasil, “não pega”, e é fácil de burlar ainda mais se o governo não quiser fiscalizar. Realismo e bom senso são necessários, e aproveitar o momento brilhante em que a população brasileira viveu o maior levante público em defesa de florestas jamais visto. O desejo de conservação e sustentabilidade é que devem ser explorados, não as falhas da lei!
O caminho e a missão da sociedade organizada, mas em especial da comunidade científica é criar coexistência entre produção e conservação. Não é um caminho do meio, mas o único caminho.