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O Corsário e a Ciência

Textos de divulgação científica e reflexões sobre Ecologia da Saúde, à luz da teoria evolutiva ultradarwinista:

O Corsário e a Ciência

Textos de divulgação científica e reflexões sobre Ecologia da Saúde, à luz da teoria evolutiva ultradarwinista:

30.04.12

A mente do cientista e a arrogância do homem comum


Sérvio Pontes Ribeiro

 

Há tempos queria escrever sobre o tema, mas dada sua delicadeza e todos os preconceitos envoltos, faltava o gancho certo. Até agora, quando em uma banca de defesa de doutorado, o último examinador, Fernando Fernandes, reconhecia o candidato como aprovado – antes do fim - devido ao fato de ver o mesmo como um vocacionado.

Mas afinal, o que é isto? Para mim, o vocacionado em ciência busca descobrir e não saber. Sabe-se por consequência, mas é a próxima dúvida que nos empurra para frente. A incerteza e o duvidar. Portanto, a falta de certezas, óbvio, é nosso lugar de conforto! Se não fosse assim, como poderia um sujeito aguentar seis horas e meia de críticas e desconstruções sobre seu trabalho de quatro anos, e sair profunda e sinceramente agradecido pelas contribuições que a banca deu ao seu futuro? Como agradecer descobrir o grande furo de seu trabalho, se a sinceridade da busca não for maior que autopromoção?

Mas a busca leva à descoberta, que leva o cientista à notoriedade. A notoriedade, por sua vez, trás injustamente a imagem do arrogante, sem que ninguém se ocupe do sentido da palavra no vocabulário. Assim, um sujeito que tem a certeza da sua ignorância, do alcance limitado de seu conhecimento e do conhecimento de todos, pode soar dono da verdade, mas no fundo só tem a certeza do quanto não o é! No geral, não se interessa pelo o que “seria”, mas pela sua busca. E enfrentará para todos os dias da sua vida a crítica e a revisão de seus pares. Enquanto for cientista, aquele ritual duro da banca lhe acompanhará!

Duro? Duro para os não cientistas, e muitas vezes, os verdadeiros arrogantes. Em especial na própria academia, o sujeito que desiste da vida científica, que não suporta este constante “referee” e questionar, seguido de rejeição e fracassos necessários para o devido progresso, costuma se aliviar acusando os colegas bem sucedidos de arrogância.

Mas me lembrei de um bom amigo, comigo no Mercado Central alguns anos atrás, me vendo comprando uma tábua de madeira para cortar carne. Quando ele me cita os riscos de contaminação que a madeira na cozinha tem, e avisa que não usa nem colher de pau nem tábua de pau mais. Eu sugiro que nós tenhamos evoluído para resolver a maioria destas bactérias, e desde que eu não deixe carne apodrecendo na tábua, tinha certeza que ela seria suficientemente higiênica. Ele me avisa que discorda, bem como o ministério da Saúde. Eu sem contestar, compro a tábua na sua frente, no ato de pura arrogância diante da certeza dele e do Ministério! Foi?

Seria, se eu contestasse publicamente o Ministério, e não levasse em conta que um parecer técnico deste tipo serve para orientar estabelecimentos públicos que podem não cuidar com o devido zelo de seus utensílios de madeira, levando a formação de colônias de fungos ou bactérias. Mas isto não se aplicaria necessariamente a minha cozinha, onde também paira a dúvida sobre o efeito do calor na estabilidade de moléculas sintéticas do plástico, por sinal, carcinogênicas. Assim, minha escolha cotidiana foi feita sobre uma escolha entre riscos, e nenhuma certeza.

Alguns homens comuns precisam da certeza gerada pelo conhecimento, mesmo que um entendimento mais profundo da forma como este conhecimento é gerado (coisa que grande parte deles tem, mas não usam desde que saíram da universidade) o fariam ver que em grande escala tal certeza não existe.

 

Talvez por isto, precisemos da arte e da beleza para ponderar nossa busca pelo segurança! O achar, o gostar, o preferir são formas livres de manifestar o seu ser, que não precisa de aprovação para existir (por mais que também busquemos esta aprovação). O bastar nos seus gostos, e mudá-los à gosto, dá sabor a vida e diminui a importância das certezas, ou das dúvidas.