28.01.12
A sociobiologia da prostituição - um ensaio despretencioso
Sérvio Pontes Ribeiro
É um mundo à parte, que não conheço, não visito, não sei nem onde fica, e do qual nem meus poucos amigos frequentadores conversam comigo, já que deixo claro que não estou interessado. Dele, então, sou um total ignorante, confesso ignorante, mas sem preconceitos ainda assim. Devo isto provavelmente àquela gravura de Picasso, onde ele já velho, admira putas e um amigo, em um dos seus puteiros prediletos. Afinal, se Picasso gostava, se tanta gente de bem, produtiva, profundamente bem intencionada com o mundo, a humanidade e as pessoas, gostam, será que eu que estou errado?
... “às vezes o cliente te querer valia mais do que o dinheiro” Bruna Surfistinha, o filme visto há uns meses na TV, e que me inspirou este texto. Com a inesperada e devida licença poética para palavras de baixo calão (que é a única coisa que tenho para oferecer a fim de fazer frente à inigualável audiência do blog da Surfistinha!!!). Texto que por sinal, ficou parado uns meses, por ter sido considerado secundário pelo autor, eu, claro. Até assistir hoje L´Apollonide... bom, até umas mudanças de conceitos surgiram, afinal, porque uma coisa destas ainda existe?
A sociobiologia da prostituição: quem é a verdadeira puta?
Mas do que falar afinal? Julgaria as putas todas? Os caras todos que frequentam putas? Vou condenar quem esquece o abuso que sofre para viver, quando o pagamento sobe a ponto de anestesiar a dor? Ou condenar quem deixa de sofrer na hora que passa a dominar os clientes, a ser o que, biologicamente, deveria ser: a Rainha da decisão. A dona de toda escolha sexual. Escolha? Puta escolhe? Escolhe ser a mais escolhida, a preferida por multidões. E, em meio às multidões, ainda terá, como numa das primeiras cenas do filme, seu prêmio? Seu macho de ouro, que leva o programa de graça?
Assim, está claro como a biologia reprodutiva e a seleção sexual continua atuando na mulher, nesta relação financeira. E os clientes, os homens? Querem só uma trepada sem ter que dar a contrapartida da conquista, com uma puta (suponho que mais feias que a Deborah Secco) fazendo cara de “vai logo que seu tempo já acabou”? Ou querem, na marra, superar hordas de pagantes e serem os preferidos, namoradinhos da putinha? Queria explorar isto sociobiologicamente. Mas não o farei sem ser sarcástico, irônico, e profundamente crítico ao culto da opressão, ou da transferência da opressão na sociedade. Ou seja, meu alvo é o homem, e não a puta.
O primeiro ponto passa pela falta de custo da conquista. O preço pago por hora libera o homem da conquista, da dança do acasalamento, da obrigação de mostrar que seus genes são os melhores. Alguns argumentariam que ter dinheiro para pagar faz dele o melhor. Seria se não fosse o preço acessível para todos dentro de uma faixa social (mudando o nível das putas para toda uma classe, e não para os ganhadores dentro de grupos, onde a seleção ocorre por faixas de atividade/co-existência). Portanto, há uma universalização do acesso à fêmea, que é um total contra-senso biológico-evolutivo, a menos que seja um benefício para a fêmea maior que os malefícios (veja as fêmeas de chimpanzés que adotam a promiscuidade como forma de diminuir o infanticídio, e vespas que “disputam” o macho dentro do canal reprodutivo, em uma competição direta de espermas, como mecanismos evolutivos da promiscuidade).
Outra hipótese, mais realista, que as pessoas estejam fazendo não seja mesmo um ato de conquista sexual, mas um esforço ejaculatório de quem de fato já teria perdido. Em uma sociedade onde o limite entre seleção e não-seleção desapareceu, o que é que mantém um homem vinculado ao seu “herói-biológico” (perdão pela pieguice)? Será que ao pagar pela chance de ejacular, ele não estaria aceitando que de alguma forma estar longe da posição alfa (mesmo que todo mundo o veja lá, no caso dos grandes clientes de casas de luxo, por exemplo)?
Afinal, não teria o cara que paga para “meter”, recebido antes para ser “metido”, e ali na zona ir descarregar sua dor de “garoto de programa do mundo coorporativo”? Não vou posar de falso moralista, quando qualquer consultor, empregado, analista, no fundo, quando é assediado pelo patrão ou cliente, está engolindo a mesma – com a devida desculpa pelo forte figurativo – porra, só por que o dinheiro é bom? Vamos investigar este “macho comedor”, ou melhor, este frouxo.
No filme, o seu primeiro cliente chama Bruna para um jantar, quando ela já é famosa, e lhe fala que sabe que por trás daquela imagem de puta superiora ele sabia haver uma pessoa maravilhosa que ela mesmo estava matando. Após esta improdutiva cantada, ele conclui que ela teria que lembrar lá na frente “da vida que ela mesmo escolheu”. Aqui começam as comparações explícitas com o mundo externo. Eu já vi várias conversas na academia, entre pessoas que questionavam a si mesmas ou aos chefes amigos (que no serviço público cumpre mesmo um papel bem próximo da puta, e bem longe do dono – claro, se o chefe é uma pessoa de boa índole e não um mal caráter com delírios de poder) e coordenadores temporários, sobre o desgaste dos sonhos pessoais pelo doar-se para o funcionamento de uma máquina que mais toma do que provém. Aí fico pensando, até onde estamos cedendo e criando espaço para um sistema que prostitui o trabalho em detrimento da criação, que oprime a real inovação, que amarra verbas aos objetivos e metas que surgem de demandas políticas e não as sonhadas, não as vislumbradas pelo pesquisador/idealizador?
Enfim, talvez o problema humano que transcende a óbvia base biológica destas relações fugazes e pagas esteja na prostituição moral que antecede a decisão de aliviar-se no puteiro. Talvez, o grande e deplorável filho da puta (com todo respeito a sua mãe, puta, pois sim, claro, as putas merecem todo o nosso respeito e admiração, mais que uma enorme parcela da humanidade que transfere seu sofrimento para frente), não seja o sujeito que vai lá pagar pelo direito se ser melhor e de mandar no seu gozo, oprimindo as escolhas da mulher. O pior sujeito pode ser um calhorda que nunca foi em zona, numa pagou putas, mas abusa de funcionários, abusa da esposa, abusa dos filhos, humilha quem pode para ser ele mesmo menos miserável. Este indivíduo estúpido, mesmo se for o maior puritano e mesmo celibatário, alimenta a infindável rede de prostituição mundial. Ao tratar pessoas como mercadoria, ou meios para metas, empurra filhas de alguém para esta vida. Mas nada disto é novo, nada disto foge ao básico biológico, nada disto traz respostas. As respostas humanitárias a esta podridão toda está em uma outra pergunta, esta feita e direcionada aos homens de bem:
- Quem deixou filhos da puta como este que descrevo chegar ao poder (qualquer nível de poder)? Infelizmente, foi nossa apatia, nossa conivência, nossa própria filha-da-putagem. Haverá homens de bem? Os que se policiam, só estes.