25.12.11
O Natal, seus presentes e a dura dureza sórdida de Umberto Eco como esperança.
Sérvio Pontes Ribeiro
(repleto do sarcasmo que o momento pede)
Antigamente se converter ao judaísmo era difícil para ocidentais, pois envolveria abrir mão dos ritos natalinos, tão opressivos e delineadores de condutas coletivas (nas quais todos agem, então eu também, sem chance de errar). Hoje, haverá uma minoria que ao menos reze em meio a tanta orgia alimentar e capitalista? Talvez, uma minoria renegada e oprimida. Qualquer judeu, indu ateu comemora igualmente a.... digamos, chance de comemorar.
E como não há ritos nem valores, ganham-se presentes mais inacreditavelmente desvinculados da mensagem essênia (o que estou falando? Quem no mundo ocidental sabe o que foi isto, além do próprio Cristo e seus seguidores, que tiveram esta parte fundamental de seus ritos extirpados assim que o cristianismo foi roubado para alimentar o controle governamental das mentes do populacho europeu?), tornando tudo, no mínimo, mais ridículo.
Salva tudo ter a chance anual de beber como meus irmãos e rir com a família inteira por perto, até escrever um email que nunca deveria ter escrito (agora é domingo de manhã, escrevo sóbrio, embora desmoralizado pela falta de um bafômetro que trave este leptop ao menor sinal de álcool na respiração). Enfim, me dá saudade das épocas de cristão verdadeiro, quando esta época fazia sentido e moldava condutas, atitudes e gestos, que me parecem melhor que isto tudo. Mas, como umbandista e ateu (pois como diria – aproximadamente, sou péssimo com frases decoradas – Otto Lara, “meu ateísmo não tem nada haver com minha fé em nossa Senhora”), me resta tirar o melhor possível desta bagunça e extrair o melhor das pessoas sinceramente bêbadas, parcialmente tomadas por espíritos do bem, que tentam por seus corpos abandonados falar algo aos que tem a paciência para ouvir. Enfim, “o amor das coisas verdadeiras” (me disse uma fada por mensagem no celular, provavelmente sóbria e, creio, não possuída) se manifesta em meio a toda falsidade, e é óbvio e gritante a quem estiver vivo e atento.
Em meio a isto tudo, ganho de minha irmã o livro “Il cimitero de praga”, de Umberto Eco, que inicia desfiando a mais impressionante lista de ofensas a todos europeus e similares, iniciando pelos judeus, passando pelos alemães, franceses, italianos e, finalmente e mais ferozmente, os padres! Fiquei simplesmente encantado com o poder e liberdade que um romance dá ao seu autor, em especial se é Eco! E me lembrei da insuportável marca indelével do fim do mundo (não, não é o calendário Maia, que por sinal, errou por alguns séculos, já que o mundo deles acabou há tempos): o conceito do politicamente correto. A pata asquerosa e definitiva da cultura burra norte-americana sobre o mundo ignorante. O atentado contra a maior arte da cultura européia - a auto-crítica! Hoje, poder-se-ia criticar a um povo ou grupo impunemente? Mas como não, se TODOS povos e gentes são passíveis das mais ferinas críticas? Óbvio que é mais gentil, como tanto fazem portugueses e franceses, falar mal de si que dos outros. Mas o fato é que a crítica aberta é a mostra da sinceridade. É o aceitar dos erros e falhas de cada um, que reflete nas regras corruptas de co-existência de cada povo!
O mesmo vale internamente, sem dúvida. Se no Brasil, não viveria fora de Minas, mas acho nossa gente (“gente de Minas”, “mineiridade” e outras lorotas do tipo) um bando de hipócritas, preconceituosos e cerceadores imbecis. O que quero dizer com isto? Que Dona Maria da padaria é isto? Sua mãe? O vizinho? Não, não conheço ninguém assim, de fato. Mas todo mineiro agirá assim se convocado para tal. Isto é que deve ser atacado, sob a pena de paralisarmos nossa evolução social.
A crítica constante ao comportamento de massa e às tradições opressoras é a base da evolução da coexistência, e não deve ser abandonada. Hordas luteranas que dominaram os EUA nunca praticaram isto. O coletivo é correto, iluminado por deus, e os indivíduos pecam e devem se ajustar ao coletivo correto. Deu no que deu!
Nas crenças afro-brasileiras, não há demônios lá fora para se temer, mas há demônios aqui dentro, de cada pessoa, a serem combatidos. São anjos e demônios cada um, e ninguém é autoridade com especiais contatos com o divino (aonde as práticas não são também corrompidas – vide riquíssimos e luxuosos pai-de-Santos de globais! Uma vergonha moderna). Sendo assim, e sendo o Divino as forças que emanam da natureza, e acessíveis a quem rezar direito, somos os tomadores de conta de nós mesmos, ou ao menos temos a escolhe de sê-lo! Lendo Antônio Olinto (brilhante escritor brasileiro, ignorado pelas massas por escrever sobre pretos em África!), vemos a liberdade de ser de cada habitante do extinto Keto, a despeito da opressão e colonização européia (e posterior colonização por eles próprios, tornados independentes e largados à própria sorte da corrupção que invade espaços desorganizados).
Que sejamos nós mesmos a apontar para nossos erros, e nunca mais inquisidores, e que não sejam ouvidas as senhoras bondosas, quando forem em sua bondade, a voz da opressão e cerceamento do comportamento e da diversidade. Sejamos iluminados pelos Orixás, em especial Oxalá, no dia que comemoram o nascimento de seu filho maior, Jesus Cristo. Que os arquétipos universais nos digam sobre nós mais do que os líderes religiosos. Que se calem estes, por favor! Que não falemos tchau-tchau por que tchau não é a tradução de Bye, mas um cumprimento latino-italiano bem mais antigo e complexo. Que não percamos noção do que somos, de tão ruim que somos, e que não nos apaixonemos por estes dois fatos.
Feliz natal.