06.12.11
Sobre origem de espécies e grandes grupos - reflexão de entendimento.
Sérvio Pontes Ribeiro
O que é espécie? Uma análise provocativa!
O capítulo introdutório do livro do Levin (2000 – The origin, expansion and demise of plant species) deixa claro que o que aceitamos como espécie é na verdade um apanhado de propriedades emergentes que atribuímos a um grupo de populações que comungam destas propriedades em seus detalhes. Assim, desde as características morfo-comportamentais, que são a expressão fenotípica dos caracteres selecionados, até a relação de troca gênica panmítica e universal entre grupos/linhagens, fundamentam a definição geral do que seria uma espécie. Observe, nada disto existe em "um indivíduo", mas é uma propriedade emergente por ser um produto comum que nos permite eleger uma identidade! Entretanto, para bem além da reprodução panmítica com descendentes férteis, temos aspectos controversos nos limites de quem é quem, em especial nos trópicos, onde espécies co-genéricas, variedades, sub-spécies e ecotipos são amplamente confundíveis. Ao aprofundarmos os estudos sobre qualquer espécie de ampla distribuição biogeográfica, descobrimos variações constantes, que se seguidas ao longo de gradientes ambientais (aumento de altitude, aumento de umidade, aumento de nutrientes, etc) correspondem aos clines. Estes são séries contínuas de populações com ligeiras diferenças direcionais, frutos de ajustes finos às pressões seletivas gradualmente diferentes. Já vimos que os clines são a matéria prima para um tipo de especiação, que é a especiação parapátrica.
Toda a dúvida fica porém, na percepção do que será o limite da distribuição de uma espécie. Afinal, se a espécie muda em ambientes distintos, o que será então o limite que marca o surgimento de uma nova espécie, via especiação, no tempo? Todas estas análises passam por estes conceitos às vezes frágeis, e pela dúvida de até onde uma espécie pode ir sem perder a premissa de não isolamento e fluxo gênico. Este ainda é um ponto frágil da Moderna Síntese. Embora o neo-darwinismo lide maravilhosamente bem com a sobrevivência do mais apto, e com a origem de uma espécie via a mutação de uma outra ancestral, a Teoria não apresenta todos teoremas para esclarecer este ponto de mudança, esta virada e quebra entre um “ente” para outro “ente” biológico, identificável.
É nesta interface que surge a Macroecologia, ou a análise evolutiva de grupos. Basicamente, o conceito de espécies (a despeito das dúvidas de como aplicá-lo para toda a vida) surge da percepção de agrupamentos legítimos que acomodam a diversidade da vida. Em outras palavras, a diversidade não ocorre como um continuum, mas em agrupamentos discretos onde organismos se assemelham em diferentes graus. Não há meio anfíbios-meio peixes. Se ocorre a evolução de um uma série co-ocorrentes de caracteres que distinguem um conjunto de espécies, estas se acomodam em um agrupamento reconhecível, uma unidade filogenética decorrente de um ancestral comum. Toda radiação adaptativa ou mera especiação que carregue estes caracteres reconhecíveis resulta em novas espécies para este “grupo” ou, mais tecnicamente, taxon elevado (gênero, tribo, família ou mesmo ordem)!
Na escala da separação de espécies, o fundamental é a aplicação dos critérios mínimos para reconhecer uma, os quais marcam a história temporal da origem daquela espécie:
- Separação – caracteres mesmo que fracamente perceptíveis, definem uma nova linhagem que se distancia das formas ancestrais (mesmo antes de qualquer isolamento reprodutivo);
- Coesão – há uma coesão comportamental/fenotípica relacionada ao compartilhamento genético de características e ecológico, relacionado à ocupação de habitats comuns e co-existência.
- Monofilia – um único ancestral comum
- Distinção – vai da espécie ser separada o bastante para ser “diagnostificável”, a formarem agrupamentos fenéticos e, finalmente, agrupamentos genéticos.
Fonte - Stearns, S.C. & Hoekstra, R.F. 2005. Evolution, an introduction. Oxford Press.